Ah! Ah! Ah!
Ecoa a Sonora gargalhada em meio as flâmulas farfalhantes, entre os
tecidos multicolores que desfilam sobre as sombrias janelas da alma
escancaradas para o mundo, permitindo que se lhes vislumbre etéreos fragmentos
por entre os borrifos opalescentes que deslizam até culminar no salgado gosto
do riso.
Repicam os sinos da Matriz uma hora
qualquer, que as horas não importam, importante é que toquem de hora em hora
avisando que já são horas.
- Bom dia, senhor! Em que posso ajuda-lo?
– diz o sorriso da vendedora, amplo, cordial. O sorriso é o convite, a deixa
que alguém esperava para entrar na alma da vendedora; ora, a alma de uma
vendedora tem que oferecer flores, sóis, mar e promessas infinitas da
possibilidade que há em se ver um arco-íris quando a chuva cair.
Lá fora a chuva constante e miúda
insiste em derramar-se, mas para quem visita a vendedora é sempre sol. O riso
do cliente vai embrulhado nas suas mãos, pedaços de felicidade que por sorte
ele pôde comprar.
O sorriso da vendedora se desfaz por
dentro quando o cliente vai embora, pois é importante que jamais se desfaça do
rosto para o caso de ser pega de surpresa e alguém esperar um convite para
entrar.
Quando a vendedora pendura sua alma
no canto escuro do vestiário, são horas de cerrar as portas.
Trôpega ela caminha para encontrar
sua casa. No rosto, o sorriso continua encantador, pois mesmo desprovida de
alma carrega consigo o sorriso que é a chave para abrir as portas do vestiário
para que novamente se transvista de vendedora.
Sorrindo sempre ela chega, é preciso
rir para os amigos da outra em que ela se veste agora, é preciso rir para os
pais, para o filho, para Deus quando de joelhos lhe rende graças por tanto
riso.
Ah! Ah! Ah! Parece dizer o incômodo despertar do
relógio, entorpecida ainda da noite sem sonhos ela desperta e sorri, porque
chove e dentro do seu armário, no vestiário sombrio há uma capa que a protegerá
do frio que vem de dentro dela.
Nada se paga por ele, mas ela o dá
passivamente. O objeto vendido vale mais que o sorriso que veio das entranhas,
sem o qual não haveria o milagre do lucro: a venda.
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