quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Senha



 A senha por favor?

Qual é a senha?
Um, asterisco, três...
E agora? Seis?
O espelho desdenha
Esqueceu outra vez
Tamborilo os dedos sobre o tampo da penteadeira velha, asdfg hjklç
mentalizo as aulas velhas
datilografia
Em um tempo que cola
selava o envelope
da confidencialidade
Cerro os olhos
Seria três, asterisco, um...
arquivos enferrujados
pesados
cheios de burocracia
inútil
arquivos lotados
de bla bla bla
Não há mais espaço
no disco rígido
a rigidez do disco
tão concreta
antes aquele lugar
suspenso no topo do cérebro
donde se olhava quando cerrava os olhos
como que para enxergar
donde esquecer
era parte da vida
Esqueci, desculpe.
Qual é a senha?
Me pergunto
em auto flagelamento
Teria um símbolo?
Números? Letras?
Vislumbro a folha de papel
no jardim de infancia
a flor, o gato, um borrão em cima
em forma de pássaro
a escultura de massinha
uma chupeta
tia Aurea ralhando
para a menininha não colocar na boca
Simplicidades
saudosismo daquela compreensão
instantânea
Tenho ímpetos de socar a mesa
me controlo
é preciso manter o controle
Sempre.
O espelho me olha
como um cursor piscando
Qual é a senha?

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Mapa

Às coordenadas
ordena teus passos
certifica-te do que te atrai ao teu norte
não osciles agulha giroscópica
que a lei que te conduz
é maior
que a força da tua obstinação

Andarilho de trilhas misteriosas
enterras espinhos
às tenras mãos
porém inala do perfume
da rosa,
da rosa dos ventos

Se te deparas em abismos
não torne,
tua missão é a ponte
cujas tábuas
ao custo de seivas
foram cortadas
das árvores nativas
da floresta dos teus sonhos

E verás que é bom
quando suspensa no abismo
atravessares para o lado de lá

Quanto teu pé pisar
grãos primeiros
de terras estranhas
às tuas entranhas
constrói:
Uma casa
Um portão
Uma estrada
Uma placa
Finca uma bandeira

Depois sacode a poeira,
e observa no poente
cores ainda não visitadas
cidades ainda não edificadas

Não contenha a luz
que quer brilhar da janela
ainda longinqua em silhueta
na penumbra do teu querer
Leia o rodapé das margens
as letras pequeninas
as vitais palavras
que escondem tesouros
ainda meninos

E quando o sal tocar tua pele
ajunte os juncos
faça tua jangada
oscilar na imensidão das águas

Não seja altivo
tua posição ereta
te mostrará o horizonte
porém ocultará o firmamento
Rolos de pergaminho
deslizando abertos
lhe dirão sobre estrelas
sobre dimensões
expansões
ilusões de ótica
a saber: o Norte é um
e é preciso

Se os monstros dos mares rugem
se os ventos uivam
amarra-te à jangada
e faz-te mouco
até que a estrela da manhã
a bonança
te acorde à musica dos golfinhos

E quando finalmente ancorares
ergue os pilares de um porto
que abra portas
para o mundo inteiro
Abrace gentes
desintegra-te
faz-te peixe
alimente a fome
com o pão que trouxeste de lá
feito daquele trigo malhado
no lagar de vinhas não mais pisadas

Sê a paz se a queres
sacie se vês fome
chore os feridos
os perdidos
e não te esqueças nunca
dos esquecidos

Carregue nas tuas costas
a lenha
senha do fogo
aqueça
cozinhe
ilumine
dance as voltas
chore partidas

Hás de te deparar
com linhas opostas às tuas
e a cada encontro
um marco
uma cruz na tua carta náutica
coincidências de pontos
a traçar a trama dos fios
de uma grande meada

Ate os nós precisos
desate as cadeias
afasta de ti cordas
que não toquem música

Que a tensão
seja apenas a que te faça
emitir o sonido imperfeito
e exato
que complete a música


Ouça a voz das muitas águas
Jorre tua doçura
ao deserto sedento
da indiferença

Lança-te além
das forças
do que convém
das aparências
e nunca desistas

Quando ao final
cavares o chão
sobre a derradeira cruz
teu último encontro

Quando no baú tocares
com a pá que toca
aquele ponto cardeal
e escondido entre tábuas
encontrares o grande tesouro
que foi tua vida

Norte