quinta-feira, 14 de maio de 2015

Parte




O fado à mesa, rendilhadas toalhinhas de crochet engomadas, amarelados ideiais do uso de outras épocas. As mãosinhas das meninas martas fiam serelepes os arabescos das agulhas. O pingo de sangue nos alvos fios não lhes inspiram um nome. Um pingo de sangue no branco é.

As meninas martas por vezes têm mães, irmãos, outras nem ósculo, carecem de pão. Agarram os parcos fios de possibilidade: aprender. Elas têm sede. E a aula do dia será aprender a fazer flores de plástico. As meninas martas mergulham as garrafas secas na mistura de tintas, pintam com cerdas também de plástico. Se esmeram, capricham, vão além do picotar insidioso da tesoura. Dentro delas ferve a criatividade, potencialidades. O arame afiado enrosca a pétala, o crepon enverdeja. A flor tem um quê de bela, mas não cheira, os pássaros não piam, as abelhas não polinizam.

As sementes foram guardadas em grandes cofres. É preciso fazer silêncio, mergulhar no mesmo livro. Aprender as mesmas coisas. Martear é duro ofício.

As meninas marias se enchem de sabedoria e mais tarde se assentam à mesa plenas. Enquanto isso, as meninas martas adormecem sonhando que um dia poderão vir a ser marias.

O despontar do dia acorda a todas, o relógio às martas, os pássaros às marias.

As meninas escolhem todos os dias a mesma sina: as marias acontecem, as martas fazem acontecer às marias.