terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Irmãzinha

“Vem com a tata, vem!”
Sem hesitar ela vem, serelepe,
sainha amarela de bolsos grandes
cabelos compridos, soltos, sem pentear
Seguro firme a mãozinha da irmãzinha querida,
olho dos dois lados
sentindo o pêso da responsabilidade
atravessamos a rua Rio Negro
de terra, lama e valas profundas
O pasto verdinho convida a correr,
amparamos o arame farpado
eu para ela, ela de dentro, para mim
Adentramos ao espaço aberto
o mundo se torna bicolor, azul e verde
corremos, pulamos
beijamos as bebezinhas gêmeas
uma minha, outra dela
Ao longe no pasto, à direita,
uma mangueira
frondoza, generosa de mangas,
futuramente cercada e escola Juraci
à esquerda distante ainda, um muro longo,
branquinho, latidos de cães…
ferramos os dentes nas goiabinhas
verdes ainda, corações ainda sem sementes,
marrentas, pés raquíticos à beira do barranco
“Tumba, la tumba, la tumba, la gue..”
às doze badaladas esqueletos emergem das tumbas
um a um, ossinhos ágeis, frágeis dançando ao vento
máscara feita de dedos ossudos
a irmãzinha não consegue,
“tata, faz para mim!”
poeira e riso no sol poente
“Vou-me embora prá bem longe
Esta é a triste verdade,
talvez sozinha eu encontre, a paz e a felicidade”
- canto alto, sempre melancólica
Ela interrompe, alegre:
“Quando eu era neném...”
à tarde febril votuporanguense
daquele ontem tão pueril
cantamos o ciclo esperado
às mulheres de então
Minha irmãzinha, minha responsabilidade,
depois de escorregarmos incontavelmente
o barranco vermelho
da D. Zulmira,
voltamos para a casa
descalças, rubras de barro
sôfregas de felicidade
A irmãzinha perdeu sua boneca,
ela é pequenininha, dou-lhe a minha
ela cessa o pranto
mas ranheta, não quer tomar banho.
Mais tarde sob a manta (calor ou não)
Ela aponta o dedinho
para o quadro da moranguinho,
quer que eu conte a estória do sapinho
sobre a vitória-régia outra vez
Dormimos ainda ontem!
Acordamos tanto tempo depois
Ainda sinto a mãozinha quente
“Tata tô com medo, acende a luz”
acendo pronto e seguro ela pertinho
para não ter medo,
mas ela não sabia que eu também tinha medo
e que ela me dava uma baita coragem
Vim embora para bem longe, já não estou sozinha,
às vezes temos paz, foram tantas felicidades
Trouxe comigo essas memórias preciosas
bem guardadas no baú da saudade
e hoje que ela completa anos,
mando estas duas pedrinhas brilhantes
lapidada dos sonhos que sonhamos juntas
para brilhar lá longe, dentro dos olhinhos dela