terça-feira, 21 de agosto de 2012

Despir-se


Corcunda do peso das fábricas tantas
De botas, do siso, de cintos de risos
Ela adentra o cômodo em suas mantas
Empurra o carrinho cheio de juizos

No rosto os vincos da blasfêmia
cabelos emaranhados de infâmia
Calça sapatos que sangram os pés
bolhas da fricção da conveniencia

Caminha até um espelho adiante
e não se vê, se espanta, se rebela
rasga de si os botões censurantes
é tempo de lançar fora a mazela

O vestido roto, fétido de pragmática
rasgado em nesgas negras sensatas
Mãos trêmulas, os olhos estáticos
se lavam, lágrimas despem castas,

a máscara, as rugas, as linhas ásperas
o peito arfa e um alvo seio se mostra
outro segue, um umbigo em esfera
centro do círculo, do princípio desta

Ombros rejeitam o pêso dos desejos
mostram-se alvos, eretos, em meneio
costas que se alinham, ensejam
à medida que despe seus receios

O lábio agora esboça um ar de riso
a peça desliza, descobre o âmago
dos desejos puros sem modismos
o triângulo amparador, aconchego

As nádegas alvas, à mostra, sustentadas
por firmes colunas, suas fortes pernas
pilastras paralelas, de verdade alicerçadas
sobre os pés nus, em igualdade superna

Ela se reconhece assim no espelho
vislumbra em si o sábio centelho
Uma lufada lhe sopra esperança
desmancha as emaranhadas tranças

E ela caminha para a luz
Sem nada,
À luz da chama,
que lhe chama,
Sinceridade

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Fome


Buracos no espaço clamam por comida
doentes a morrer por vida
uns fome de cura
Vermes fome de ferida
Ardem os corpos, por fome
de comida
de lascívia
de guarida
Pratos vazios na mesa da vida
uma mãe que diz:
dorme filho, que passa
E a fome rói,
dói,
humilha
Turvam as capacidades cognitivas
enquanto a multidão sai batendo panelas
gritando pelas ruas a ajuntar seus tesouros
Há muita pressa, pouco tempo resta
Comida! Fome de cédula.
E a ferrugem clama, veste-se das cores da flama
e se extingue em cinza
o mofo seca
a bactéria definha
As mulheres deixam suas casas, seus filhos
os peitos alimentam a máquina
Que se engorda de vento, e nunca se farta
As criancinhas choram de fome
de aprender como nasce o tomatinho
como cresce o coelhinho
que o papel bonito ilustra, cientificamente
geração de palavras
que não alimentam
pequenos oráculos de visão limitada
de conhecimento mil, sobre a profundidade
nada
Na vitrine o vestido fascina,
o carro brilha, intimida
o diamante cintila
o vendedor se retorce de fome
ante o olhar cobiçador do transeunte
As corporações ajuntam tesouros em cofres
Guardam com fome o elixir de sua vida
E a florzinha murcha lá fora,
sozinha,
com fome, sede
e a criança da escolinha,
com fome de mãe olha a pobrezinha
vê que tem fome,
e em desespero ajunta seus brinquedos de plástico
às raízes famintas da erva que definha

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Noiva II


A noiva acorda, pensa que voou,
Não vê o vestido em farrapos,
nem os arranhões, acorda promíscua
e se prepara para o encontro alheia
aos hematomas

Embriaga seu corpo na taça da luxúria
Vestida de negro, lábios vermelhos
pensamentos soltos, se concentra
na luz da chama do fogo que vem dos carvões
que aquece ainda mais o corpo cintilante
da seiva dos amores

Devassa
Agarrada pelo rabo-de-cavalo
tenta dominar enquanto é dominada
por seu vassalo

Dancam o dueto como num ballet
os corpos febris na noite de núpcias
dentes, mãos que fingem suaves,
marcas
Um palco de cetim vermelho brilha
aos olhos gulosos dos expectadores
que esperam ansiosos

Encontro,
Em um lapso, deixam de ser dois
metamorfoseados,
encontram a dualidade do ser

O mundo gira tão rápido
num universo suspenso no espaço
em frenesi buscam encontrar o toque
da ciência
Que ela toca primeiro e morde, cega
Ele vem em seguida, sorvendo a delícia
Sabem tudo no instante espasmódico
e a partir de então,
Grand finale: olhos abertos
fitam na platéia, bem e mal
enquanto os corpos ainda
estremessem da explosão

Se entreolham e mal podem conter
um riso de cumplicidade
Cegos, vislumbram o que pensam sabedoria
e o universo ceifa para sua ordem
Mais duas peças de seu grande enigma

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Decifrador de sonhos


Procura-se um decifrador de sonhos
que possa escandir metáforas
e transformar em perspectivas
as imagens de um caleidoscópio

Um decifrador que saiba olhar
com olhos que não são seus
mas que veja o além símbolo
a aparente ingenuidade do ícone

São requisitos:
Aptidões como saber colher rimas
ler as partituras das estrelas
ter visão que alcance o que há
Além da superfície refletora do oceano

É preciso ser graduado na matemática dos espelhos
Entender a complexidade do olho
da imagem
do que é
e em que transcende
a divergência das essências

Os interessados deverão enviar seu próprio sonho
grafados em folhas ao vento
a serem julgados
pelo mensageiro tempo

O candidato selecionado
há de ser contactado
via poema oficial
a ser publicado a posteriori neste edital
A contratação dar-se-á imediata e epifânicamente

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Noiva


A noiva se deita num leito de águas claras
unguentos, perfumes e especiarias
vapores turvam o brilho dos abajures
e intensificam o prisma dos cristais finos
pontiagudos,
A noiva cerra seus olhos e sonha acordada
uma perna nua banhada de espuma
os seios tenros semi-imersos
Vislumbra com ansiedade o vestido
branco, longo, as pedrarias
que cintilam, corpo que antecipa delicias
A noiva se lava devagar,
besuntando de esperança
a esponja da sua mocidade
desliza a mãozinha delicada
desde a ponta das unhas,
sobe o braço esguio e lava a nuca,
os ombros, uma cascata de espuma
descendo de seu colo,
Covinhas a mostra,
Estrelas nos olhos
A noiva perfuma a água de sua essência
deixa nela seus últimos ardores de moça
a água se move em círculos, descreve
arabescos quando ela se levanta etérea
desenhando na superfície imagens enigmáticas
ao som da torneira reluzente que
vagarozamente pinga
A toalha felpuda, branca, lhe afaga
os quadris macios
Enxuga as lágrimas da água que chora
a perda de sua virgem
bruxuleante a chama da meia luz
reluz nas concavidades,
desenhando o corpo esguio
de sombras que lhe afagam as curvas suaves
Ela se fita no espelho, vê a noiva
como se visse outrem
aplica perfume nas pontinhas das orelhas,
no pulso,
prende as madeixas com fino pente,
donde pequeno diamante quebra
em cores a luz serena
aplica um blush rosado e brilho
cintilante aos lábios encarnados
desliza a meia fina, vagarosa
destramente subindo a pousar
a fina renda branca ao dourado
das suas coxas
Veste uma calcinha branca de renda
que tímida mal lhe cobre
os poucos fios castanhos
Os seios pousam em redes de rendas
enrijecidos ao toque da fina fazenda
maream seus olhos ao vislumbrar-se agora
trazendo nos braços o vestido alvo
inclina-se como em reverencia
com a pontinha dos pés entrando
na composição de organzas,
rendas, cristais e pérolas
O ziper desliza, enquanto lhe envolve
o vestido delineando-lhe sílfide
ata os laços, amarra suas fitas
enfeita a orelha e o colo
com pérolas de água fresca
não pode conter uma lágrima quando
sorrindo ergue seus braços
e se coroa com a grinalda
o véu lhe afagando
arrepiando ao toque os ombros nus
Está pronta!
Com pulso firme empurra certa
a porta e despenca no abismo
Certa de que voa

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Menino Anton

Nasceu! 04/08/12 as 8:27 com 1.955g.

Aguardas meses a fio
ouvindo o pulsar da tua mãe
no universo escuro do útero macio
imerso da água da vida
flutuas,
esperas,
Quando já não podes mais te rebela
e decide que o tempo é tempo
e que hoje será seu tempo
hás de vislumbrar a estrela guia
que te trará de lá
Uma estrela que te trará luz
que há de descobrir o véu
que escondeu os mistérios
que ouvias já abafados pelo
som do coração da tua mãe.
Um menino,
um menino que fará mãe
a que te espera, ansiosamente
um menino travesso
De que cor são seus olhos?
Qual o formato dos teus pés?
Que estradas hás de pisar?
O menino escreve sua história
e não conta nadinha
aos curiosos pelo teu amanhã
adicionas enigma certo
ao incrível livro da vida
Bem vindo Anton Sebastian!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Mundo oceânico da banheira do bebê



   


 Era uma vez um Jacaré cujo nome era Quelé, era um jacaré roxo, cheio de dentes afiados assustadores mas carinha de lelé. Era um jacaré muito educado, que só mordia depois de questionar sua presa:
      - Poderia por gentileza comer a vossa senhoria?

     Coitadinho, tão magrinho, cansou tanto de perguntar que se tornou vegetariano. O melhor amigo do senhor Jacaré Quelé era um Caramujo marujo cujo nome era Carujo. Experimentado no mar, vivera aventuras mil no fundo do oceano Banheirânico. Sempre que se via o roxo Jacaré Quelé lá vinha de longe a sombra laranja claro do Caramujo Carujo se arrastando atras do amigo, uma dupla dinâmica vejam só. Quando Carujo se cansava subia nas costas do amigo e em troca lhe cobria de grudenta gosma, que Quelé apreciava muitíssimo, pois tinha a pele seca.
     Reclamavam muito de um Siri estabanado, que andava de lado, de família portunídea, chamado Quiriquiqui. Recebera tal nome pois além de novidadeiro sua cor vermelha lembrava a cor da crista de um galo. Quiriquiqui vivaldino vivia ensaiando andar para frente, mas virava de lado para ir para frente e do outro para ir para trás de modo que se irritava muito das piadas que lhe faziam,o rapaz. Toda vez que passava, alguém com sua garra beliscava. Sua vítima favorita era o rabinho da Tartaruga Beluga. Se desculpava sarcástico que seu rabinho parecera com um delicioso aspargo. Tartaruga Beluga choramingava dengosa, levando meia hora para soltar um aaaaaiii, e ficava verdinha de raiva ao contar a seu pai, o Golfinho Marinho, azul clarinho, tão fofinho que singrava o mar branco da banheira do bebê a procura dos patos que à deriva cantavam um quá quá sem fim.
     A mãe de Beluga, a Baleia da Leia era internacionalmente conhecida, cantava ópera no Auditório de Corais. Era muito elegante, em suas linhas azuis, vestida de espuma encantava nos arpejos ao que seu esposo o Golfinho Marinho suspirava orgulhoso. Tartaruga Beluga era muito sensível, enxugava disfarçada uma lágrima sonhadora ao assistir as evoluções do Ballet comandado pelo senhor Polvo Dolvo, encantador em seu verde clarinho, acompanhando com finesa de movimentos a voz maviosa da mãe de Beluga, enquanto as anêmomas iluminavam em tons pastéis a beleza da noite.
     Ao final de cada espetáculo, a Baleia da Leia recebia de presente, uma pérola rósea que sua estimada amiga a Concha Caroncha carinhosamente calcificava durante meses a fio, pérolas tão finas que causavam exclamações da mais profunda admiração aos que avistavam de longe a baleia azul com seu cordão de pérolas. Concha Caroncha sorria feliz da areia, era uma concha muito calma, muito contida, que estimava sonhar um dia ter nadadeiras.
      - Vamos bebê, o banho acabou.
     E o bebê chora, sem consolo ter que deixar as aventuras dos amiguinhos no fundo da banheira.
     - Meu amor, amanhã a gente continua a estória.
     E o bebê silencia, pois sabe que a cada banho, nova aventura se enuncia.