quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pluma


Um ploc inaudível arranca a pluma do anjo
uma pluma branca que cai, pirlipimplim
vem descendo das esferas planetárias
Rodopiando placidamente contra o céu cobalto

A pluma do anjo se veste de bailarina
descreve arabescos, pliès, enquanto plana
pairando sobre o ar e partindo como aeroplano
Uma pluma plasmática sobre um céu de gelatina

As nuvens se abrem plenamente
e a pluma desce suavemente
ora repente, simples, ora complexamente

Acima das nuvens plissadas
a fitar a pluma que acopla sobre a mão
um raio de sol sublime me faz piscar os olhos
Plim
E o anjo pisca para mim

quarta-feira, 23 de maio de 2012

P E D A Ç O S


Espaços               entre o inteiro
              divisão                       da             totalidade
Visão                explodida    do         todo

                                 Fragmentos
Cacos

             Partes
                            que não voltam,
de um corpo,                                     dos que nunca foram

              Desconexões
                                         sem
                                                        encaixes

                          Partes moldadas pela vida
em um formato                                             que não se encaixa mais no todo
Peças
         essas
encaixes,     desencaixes

Retalhos feitos das gotas de orvalho

Anexos
              alguns       nexos
                                            outros        desconexos
Globo partido
                    de China,            de América
União Soviética...
                             Linhas imaginárias Muralhas
Lágrimas
            dos olhos             de um corpo                  das dores
Palavras ao vento         alinhavando       sentido
e o tempo tecendo               a colcha
unindo fazendas, cores, estampas
ao todo que espera o calor da manta

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Conto para pato dormir



Esta é a estória da pata Patachoca
Que sentada em vinte ovos
Feliz chocava uma patota
De patinhos amarelos novos

Mal despontava o dia a Patachoca
Esticava as pernas cansadas
Afofava as plumas com bicotas
E cantava com voz esganiçada: 
- Quock, queck, quick, quack, quol, qua, qui quock
Desafinava sempre na oitava a pobre Patachoca

Todos os dias era a mesma ladainha
A Patachoca quackejando sonhadora
Sentada sobre os ovos qual uma rainha
E os vinte ovos em silencio sob a canora

Uma manhã estando ela em sua formosura
Admirando o céu azul recém nascido
Cantava esganiçada seu arpejo matinal
Quando um creck esquisito ressoou pelo quintal
Imagine, pensou, que coisa esquisita
Um barulho de quebradura quebrando
- Ai que medo será que é a raposa do madrigal?
- Ai me acuda dona Galinha que pato não vai a hospital
Arfava já a Patachoca quase chorando…

Dona Galinha que ciscava alegremente
Só levantou uma sobrancelha e sorriu amarelamente
Pois conhecia de longe o drama da pata faceira
Que sempre alvoroçava a qualquer bobalheira
Creck

Patachoca chocada chaqualhou a cauda
Espichou-se, espiou de um lado a outro
Sacudindo as asas indagativa…
Quack?
Quack! – respondeu abaixo de si
Era o patinho que enfiara o biquinho
Na casca de seu ovinho
Creck
Lá veio uma asinha, toda já emplumadinha
Um pezinho desajeitado e um patinho
com metade da casca do ovo como fraldas
Atordoado admirava as belas pluma alvas
Da mamãe Patachoca que limpava as lágrimas
Com tanta emoção que fez até dona Galinha
Se comover em admiração!
Có! Coisa linda Có! Comadre! Cocobéco… chuif
Quack, creck, quack creck
Mais quatro biquinhos, oito pezinhos e asinhas se
Juntaram ao primeiro patotinha
Os cinco patinhos patetas tropegando ainda nos passos
A Patachoca orgulhosa esticava o papo
E chamou ao primeiro Patock
A segunda uma patinha fofa Peteka
E sem seguida Pitika, Potók, Patakleia
Quackejando sem nexo ainda os patinhos
Todos sobressaltados ouviram
Creck creck creck
E mais três irmãozinhos vieram:
Pacato, Potico e Poti
Esta última uma pata de olhos de mel
Já nasceram num patati patatá sem fim
Quack? Assustada a pata admirava

Que lá vinham mais rebentos à ninhada
Quá! Quá! Quá!Quá!
Caquá, Cequé, Quaquinho e depois veio
Qüéqüé um pato gaginho

O cavalo que de longe assistia
Saiu dando coices pelo ar
- Viiiiiixe Mariiiia vou avisá o dono da famia
Saiu em disparada só poeira após seu galopar
Cada creck que quebrava
Era um viva que vibrava
A fazenda toda esperava
Cada pato que chegava
Creck veio um patinho valentão
Que se chamou Gastão
Logo após si
Veio a patinha Quaqueli

Patachoca já chorara tanto
Que as lágrimas secavam
Ja sorria em meio ao pranto
E com carinho os beijava
Patock já fugira do ninho
Enfiando o pezinho no lago
Patachoca ralhava baixinho
E o trazia de volta com afago
Já nasciam Quick, Quem, quomo
Quando Sr. Patocho chegou
De peito inchado de orgulho
Foi olhando e desmaiou
Dona Porca que entendia de unguento
Foi logo chamando o solícito Jumento
Para trazer uns sais
Para os novos pais


Creck, quack creck
Vieram os três caculinhas
Um que se chamou Quaria
Outro Quevin
E a última Quatarina


Já era tarde rosa
Quando enfileirados sairam
A familia mais famosa
Patachoca toda garbosa
Os patinhos lhe seguiam
Sr. Patocho seguia atrás
Da fila longa de qua quás


Até hoje se visitas
A fazenda da Patachoca
Já traz logo uma marmita
Porque não sobrou minhoca
Mas já venham avisados
E em quaquejamento versados
Pois não há turma mais animada
Que tantos patos em uma ninhada!



À minha Lilly, que ama patinhos...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Oroboro oroborO


The Sphinx by Auguste Rodin
National Art Gallery Washington DC

Às mães que ficaram...


A imagem da tua mãe
Uma esfinge com garras, cabelos longos
uma esfinge amarela
de olhar enigmático
Esfinge pragmática
quase inundada das areias do tempo
rodeada de pirâmides austeras espetando o céu
apontando às estrelas escritas em luz
na escuridão do espaço
Peso na memória a imagem de vento
em nitidez apenas as cores desbotadas
Uma esfinge que fita do passado
fria,
Uma mãezinha querida,
imagem do embalo que tu criaste
do calor da cobertinha que te enrolou
dos peitos que te alimentaram
das entranhas aconchegantes que te
transportaram de lá
Âncora suspendida precocemente
que te deixou a deriva neste mar sem fundo,
barco delicado
feito da casca do ovo ainda
Mãezinha,
Ausência tão presente
que não emana luz mas que brilha tão forte ainda
no teu céu em imagens oníricas
compondo dos cacos o mosaico da tua vida
Mãe, que com a leveza do espírito crava no chão
com peso de pedras, mensagens hieroglifadas
ilegíveis porém tão claras
Mãe que levaram para longe de ti
naquele esquife feio
na poeira da estrada de chão
num caminhão de rodas negras, cruéis
que plantaram num chão gelado
tão longe que não pudeste chorar junto
ao casco do que tinha sido ela
nos dias do teu choro
E te fizeram rir
muito,
histericamente,
Um riso vazio sem os acordes do dela
As areias do tempo esfarelam a imagem
Enquanto aos poucos descobres e lanças
às águas tua própria âncora
mãe de si e de outrem
Teu barco já não deriva, pois tu és capitão:
Mãe!



À minha amiga Beth, e aos meus primos Simone, Silmara e Anderson

terça-feira, 8 de maio de 2012

Trilhos



A maria fumaça passa, esfumaça

Chispas, faíscas nas triscas

O atrito da roda no ferro

O elo que segura o vagão…

Som!

A margem emoldura a paisagem

Que corre, que move na tarde

que morre correndo da janela

Aqui, acolá, além, lá vai o trem…

Fom!

Linhas paralelas de ferro polido

das rodas de ferro da locomotiva

traças as retas como pautas vazias

o trem  escrevendo e apagando

Bom! Bombom!

Doces as róseas imagens da tarde

Cheiro de óleo, de chuva e chispas

Riscas a tarde com retas concretas

Cicatriz do tempo, chegada, partida

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Retrahere





Um momento

Nuances e traços explicitam a diferença

O branco saltando do preto

O preto sombreando o branco

Recortes sem margens de um rio

Um rio caudaloso

Um chapéu preto

Uma pena branca

A boca, uma boca encarnada em preto

De um preto que evoca ao carmim

O maiô preto ajustado no corpo esguio,

a toalha branca forrando a cadeira

a menininha segura um pato branco

calça um sapato preto

tem cabelos pretos, mas a tiara é branca

e a avó soprando uma luz branca de uma vela já apagada.

Uma avó de cabelos brancos, de vestido preto

De sorriso tao franco

Um homem de bigodes e terno pretos

O lencinho branco saltando do bolso,

A maleta preta. Para onde vai?

Os papéis brancos estão ocultos

Neles a grafia preta diz com tintas palavras negras

o aro dos óculos do avô, pretos

os dentes tão brancos contando as alegrias

o louro preto no ombro, sobre a camisa branca

a arara preta sobre o muro branco

um céu branco

um avião preto

A noiva em branco alvíssimo

O noivo garboso em preto

O bebê envolto em mantas brancas

A viúva em preto, guarda-chuva preto

No tabuleiro de xadrez branco e preto

Dançam as figuras da caixa de retratos velhos

Em enigma, a espera do cheque-mate

Enquanto o movimento de outras eras

Mistura essas tintas e insinua sombras,

Cinzas

sábado, 5 de maio de 2012

Velhas pólicas


Eram apostólicas
Melancólicas
sofriam cólicas tais que
temiam cistólicas
Se colocavam bucólicas
nas noites eólicas
quando perdiam a parabólica
e se punham a pensar hiperbólicas
Simbólicas
a fazerem caretas tão estrambólicas
que pareciam visões alcoólicas
as pobres Hipólita e Mólly K.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

OVO


OVO
o
ente
pequenino dorme
em laços de afeto
dormente
docemente
envolto
absorto
nana nenê
mimi bebê

No berço da tua criação
Dormem os sonhos dos teus pais, da tua geração
Dorme criação de luz, acalentado pelo canto
das vozes todas que se calaram, das luzes
que não brilharam, tu tens a esperança
de que a nova criança que viaja
vem da terra não descoberta
dos mares não desbravados

Vem menino! Olha o apito do navio partindo
Escuta o pássaro que te espera para cantar
Os braços que te anseiam segurar para assim estarem seguros
Vem para o porto da tua vida, continuação de outras tantas
O futuro te espia, com saudades já deste que principia
Deste momento em que docemente balouças borbulhando
no paraíso das bolhas encantadas que nunca estouram
antes flutuam no ar de um sonho tão grande que partiu
da propulsão de um design inteligente, divino
grande demais para compreender, mas que tudo sabe
na inexplicação das águas que continuamente te alimentam
o colo da vida te espera, ávido, o leite da sabedoria já
inundam os peitos da natureza, a voz do vento já preparou
a canção para te ninar e a noite já prepara os seus temores
pra fazer de ti um homem de coragem, luz aos dissabores
Vem com a força das marés, das luas, dessa que é só sua!