quinta-feira, 22 de março de 2012

Condição

A mesa é redonda
Projetada para dois
Eu estou sentada
E você? Aonde foi?

Tenho saudades de ti
Das noites de amor
Mas nunca te conheci
De onde este ardor?

Estou sentada sobre glória do mundo
Com tanta saudade que nem sei de quem
Se fecho meus olhos num segundo
Atravesso os mares sem fundo para o além

E no além tem minha gente
E minha gente fala português
Mas minha gente é crente
Que o paraíso é falar inglês

terça-feira, 20 de março de 2012

Matéria Bruta

Qual água moldando as rochas
Quero deitar no papel as minhas palavras
a deslizar suave, sensualmente
Qual som de borbulhas que estouram
molhando a fresca relva

Não quero medir sentimentos
Nem escandir a confusão
Quero antes versos de outono
Folhas lançadas ao vento

Quero escrever versos de chuva,
frescos, restauradores
versos que desabrochem a primavera adormecida
e que me caibam como luva

Porque palavras são palavras,
e há dias em que se deve cosê-las, bordá-las,
mas hoje não, estas foram tiradas da confusão,
não devem estar organizadas
nem obedecerem nada
só dizerem...

E dizendo vão contar
Macio e baixinho
qual uma grávida ao violão
gerando música e nascendo em sensação

Não quero lavrar rimas
Quero que as palavras permaneçam como intemperies
E que o vento, o sol, a chuva e a terra
sejam os escultores desta obra
bruta, tosca, mouca

segunda-feira, 19 de março de 2012

Vácuo


Caiu um raio na manhã ensolarada 
partindo em milhões de fragmentos 
as sensações de realidade que supunha sol e firmamento. 
Trevas banharam num repente tornando azuis as incolores veias. 
Da brisa veio o vento arrancando as pétalas que eu tinha para deitar sobre estas folhas,
 uivos, em lugar do mavioso canto do pássaro, ora enclausurado dentro do ovo. 
Vai vento doloroso
 grita sobre os montes feitos pedras,
 e pedras são pessoas e caminhando entre pedras faz-te só.
Há um grito dentro de mim, 
um grito de horror que ensurdece, 
há lágrimas jorrando dos meus olhos secos, 
há um rio de sal aos pés dos montes calados
um rio que umedece a fúria da rosa em cores, 
sangrando rochas feridas no espinho cruel.
 Silenciosas as rochas rolam,
 se esmagam, se chocam, se quebram. 
Quando ainda havia sol, havia no horizonte um talvez, 
embalado em sensações alantes, 
já aspirando o primeiro centímetro longe deste chão
 golpeou-me abruptamente o raio que partiu do céu.

Aprende-se a saber o escuro, 
e o raio fêz-se em teias, 
e as teias se desprendiam das rochas e me envolviam, envolviam. 
Pesadelo.
 Se meus olhos estão fechados, só abrí-los então? 
O que há com meus olhos? 
Não eram apenas sensações? 
Não! Eu sinto a teimosia da teia que me ata, 
sinto o cheiro das minhas penas arrancadas,
 lançadas à fúria do vento
com uma delas eu luto contra a teia, o vento. 
Luto impelida a esta força que quer saltar para além de mim, 
onde está a minha vida.
O escuro faz-se um palco brilhante, 
colorido, cheio de vozes, de expressões e um quase de sensações. 
Cai o pano, apagam-se as luzes, silenciam-se as vozes. 
Lá está ele! 
Oculto e distendido sobre as armações da vida: o nada.
A luz se acende em neon. 
Próximo ato: 
A mudança.

Vaso

Que flores?
Rosas ou Lilases?
Se flores são Rosas
Se cores são lilases.

quinta-feira, 15 de março de 2012

A flor azul


Quando a adormecida manhã madrugava, nem ainda despontara os raios de sol, antes de seu tempo a flor azul já antecipava seu ciclo. Pensava passar despercebida e diáfana qual a alva enevoada envolta em alusões feéricas. Lepidóptera que era, adormecia em sua nova forma de crisálida, aquecida do calor especial que lhe transformava em ninfa. Quando pronta a romper o invólucro, a flor serena estendeu-se toda, entreabindo suas pétalas orvalhadas ao primeiro calor, qual uma estrela, radiava amor, envolvente cativava os olhares dos que por sorte lhe podiam admirar. A flor se detém ao solo, porém seu sonhos são alados, exalando seu perfume ela sabe que seu dia há de vir.
Na manhã da transmutação ela acorda como sempre, azul, perfumada e pronta. A sua volta pode admirar toda a beleza de seu feito, todas as alegrias que pode irradiar, sorri para o verde tão cheio de esperança que lhe alimentou o tale, que lhe deu seiva às pétalas, o chão que lhe deu pés para que não pairasse no ar. É uma flor, mas conhece as necessidades das correntes do seu solo. Inspirada suspira pela hora da fada, sorri para as florzinhas ainda botões a sua volta. Cheia de entusiasmo num suspiro profundo ela rompe a última fase de seu ciclo, a que ela vai ser mais ela, vai dizer ao destino com que tintas molhar a sua pena.
Repicam os sinos do universo. Bem!
Alçando-se de seu talo ela se eleva no ar, parte carregada pelo vento, parte pela sua vontade e a manhã se enche de mágica! Mais uma fada se lança ao vento. Uma flor azul que colore de um tom celeste o céu cobalto pálido. Vai borboleta azul, escreve nesta dança louca do teu voo qual o chão que vais pousar ou não, e cuida-te pois mão levianas podem tentar te aprisionar, uma borboleta é um ser encantado, livre, que se tocada, vira pó. Guarda o teu encanto para a glória das manhãs e para o néctar das flores todas que hão de alimentar-te. Vive intensamente a glória de tuas asas.
A dançarina da manhã se mistura com o céu, como se um dilúvio de borboletas azuis subitamente lhe viessem dar as boas vindas às doçuras de alar-se.

Para minha sobrinha Stephanie ao completar seus 18 aninhos hoje...

quarta-feira, 7 de março de 2012

A partida

Tremeluzentes faiscavam os doces olhos, esgazeados, fitos na imensidão azul oceânica. Envolta ainda na névoa do caos, suavemente ela deslizava pela macia areia, deixando após si rastros tingidos da profundidade. Caminhava rumo às águas, serenamente, até fundir-se na junção água e céu do horizonte taciturno. Seus olhos ainda faiscaram e entao, levada pelo vento, emprestou seu brilho aos olhos de uma gaivota solitária que de repente surgiu voando contra o céu cobalto.

Assim ela se fora, embarcara serenamente nas venturas de um por do sol, rubra de riso matizara-se nas cores estonteantes e lá permaneceu até que as trevas da noite apagassem o brilho de suas cores resplandescentes e cobrissem a abóbada celeste de lágrimas estelares.

Quem fora? Que venturas vivera? Que importa? Ela fora tudo no plácido oceano onde refletia-se como pedaço de céu, fora o nada na inexplicação das águas, um espírito de borboleta que pairava no ar, uma alma de libélula que tocava a superfície do oceano e podia voar novamente. Fora um inebriante perfume que exalara em aromas a flor da tarde e, embora arrancada de seu talo, enfeitava os negros cabelos da noite.

Quando a Euforia da tarde silenciou, tendo a noite rompido seu pranto pelas róseas memórias, surgiu distante prateado como a luz da lua, um veleiro branco solitário, com um diáfano marinheiro à proa que, atando suas mãos ao vento, juntos, vento e marinheiro balouçavam as leves velas brancas:

Adeus... Adeus...