terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Adeus às borboletas


Dalilas pipilantes
Sansões descabelados
Pupilas estupefatas

Sanções esfaceladas
Entre papilas palpitantes

Será comédia?
Divina?
(...)

Mas não o Dante dantes

Braços abraçados às pilastras
De templos há tempo desfarelados

Cálido Sansão enfraquecido
Não mais da ausência dos cabelos
A cabeça: escabelo de Nero

Acendam pirilampos
Às janelas, nos campos

Propulsiona deste módulo
Examina o nódulo
E na lâmina basal,
fina treliça de macromoléculas
inocula o epitélio
e ocupa o receptor das lamininas

Ah lamentáveis borboletas obsoletas
Esculpidas em lápis-lazúli
Paralelos de lei
Anéis de reis

Azuis,
As libélulas pululantes
Paliativas
Navegam ao vento

Em hálitos de alento

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Está decidido: vou criar galinhas


E dá-lhe padecer em um paraiso… Outro dia dentre o vuco-vuco diário, dispus de um tempo e fui finalmente buscar minha filha de 4 aninhos na escola pública aqui nos Estados Unidos. A professora substituta pergunta se sou a tia da menina. Disparate, meu coração caiu no dedão do pé, respiro fundo digo que não, sou mãe dela e a energúmena acresce:
- Mãe da Oliva? Nunca vi mãe de Olivia nesta escola...
Lá corro eu cheia de vergonha, gaguejando feito criança pega em meio a traquinagens, explicar-me (afinal é preciso explicar-se, mãe ocupada não existe, exite pai, coitado que estressa, esbraveja, dá chilique e vai dormir mais cedo porque está muito cansado). 
Abaixo essa geração mãe de ferro afe, pressão pode até gerar diamantes, mas o que tem de carvão sendo esmagado neste mundo não está escrito. Cansei de querer ser diamante, pense, carvão pode um dia pegar fogo e aquecer muitos corações frios, cozer uma sopa de esperança (olha que o mundo está de cama precisando de umas sopinhas dessas de encher a barriga de borboletas).
Me faz lembrar um dos lemas do Arcadismo: fugere urben...
Saímos do campo, ocupamos lugar “de homem” no mercado, lotamos as faculdades cheias de saudade daquele tempinho que podíamos trepar em árvores, brincar de fantasia, éramos tudo com tão pouco e tudo tão simples. Ai vem a tal da puberdade e estupra nossa inocência, mata nossos ideais infantis, vamos lá, seja responsável, estude, trancafie-se, ensimesmamo-nos. Deixamos de ver o outro, pois é preciso ser objetivo: aquela não vai dar em nada. Casou nova, filhos que horror vai com certeza para a fila do bolsa-família.
E o tempo passa, casamos por amor ainda, mas olha que as coisas estão mudando é preciso ser seletivo, vai querer “esta vida” para você?
Nossa misericórdia ficou lá atrás pendurada nos galhos da árvore que arrancaram para cimentar o quintal; eca terra, que nojo, minhocas, lagartas, frutas podres e folhas ao chão. O pasto virou bairro, as vacas churrascos de há muito. Ah mas não nos esqueçamos, há que se deixar de comer animais, que crueldade, desumano, humanização de animal é coisa séria. E sua filha quer saber, ela quer saber tudinho, tim tim por tim tim.
Eu lembro dos frangos agonizantes no sítio, os porcos gritando, lembro dos peixes pouco a pouco adquirindo olhos vítreos. Passada a dor as mesas estavam plenas, agradecíamos o pão, inconscientes de que as mesas esvaziariam-se drasticamente, a ceia já não teria mais doze. Hoje nós agonizamos juntos, mas nunca tão separados, antropofagicamente consumidos pela culpa, é preciso culpar-se por tudo. 
Inevitavelmente, você se depara com o abismo abaixo de você, e era um coisa quando você se equilibrava, agora sua filhinha inocente, coloca a sapatilha na corda bamba e olha confiante para você, com olhinhos cheios de estrelas, ela sabe que mamãe “sabe de tudo”, que vai lhe mostrar o melhor caminho, que não a vai deixar cair, e você descobre que nunca esteve tão incerta em sua vida inteirinha.
Os orquestradores deste plano de desenvolvimento estão de boca escancaradas de felizes: não sabemos mais plantar, não olhamos para os astros, apenas por aparelhos precisos. A terra continua pedindo clemência, a abóboreira do fundo do quintal lastra-se e diz que tudo vai ficar bem, olhe, estou aqui, eu produzo teu sustento. Mas nossa mente já está muito configurada, o mercado tem tudo embaladinho assepticamente, cada gole de suco produz um lixo permanente a ser potencialmente lançado ao chão que adoece.
Então me vêm os grandes apregoadores da pró-natureza, estacionam seus veículos emissores de toxinas, vestem sintético para salvar os animais, e o benzeno que derreteu o plástico sai envenenando as fontes, o solo, nossa capacidade de ver. Instalam secadores para as mãos, imagine cortar árvores para fazer papel é um horror. E lá se vão a cortar florestas do coração do mundo, nossa Amazônia, reposicionar índios ancestrais e mudar o curso do rio para construir hidrelétricas... O secador precisa funcionar.
Nossa preguiça nos fez criar uma bolha asséptica, assentamos no escritório limpinho, sem insetos, janelas fechadas porque ai de nós se respirarmos sem filtros de ar... Para mínimas atividades há máquinas que fazem o trabalho duro ou sujo para nós, e então percebemos que ficar sentado faz mal, lá vamos criar máquinas para subir, para esticar, para desenvolver nossos belos músculos artificiais.
Um medinho do que vai ser, o monstro que dormia embaixo da cama agora toma proporções amenas, como saber? Como saber o que está sendo programado na cabecinha linda daquela criaturinha de felicidade? Mary Shelly foi uma visionária, em sua metáfora futurista já explicava: o que deu vida ao monstro de Frankenstein foi essa tal de eletricidade. #Somostodosfrankenstein...
- Filha como é que pode uma criança ser tão inteligente?
- Porque vou à escola mamãe.
“Mãe da Olivia?...”
 Dá uma dorzinha bem fininha, aguda, contínua do medo de ver certas impressões digitais na mente propensa à bondade.
Lamento informar... Ficamos frouxos, tudo isto é medo de não ter as coisas todas que os comerciais nos provam que não podemos viver sem. Precisamos nos matar de trabalhar, abandonar os filhos para serem educados pelo governo, para que pensem como o mercado exige, afinal não podemos viver sem seguro-saúde, os médicos estudaram muito, viraram estrelas.
Estamos lendo livros para nanar, ela apalpa o rostinho pensativa, fecha os olhinhos e indaga:
- Mamãe sou feita de plástico?
Só consigo lhe esboçar um sorriso, digo-lhe que não, que é de matéria, de células, de vida. Mas como explicar a ela que não somos feitos de plástico se nem eu sei mais?
Foi então que pensei no galinheiro e não me venha com essas idéias “empreendedoras”, não disse granja, vislumbro um galinheiro, palhas, galinhas gordas soltas a procurar onde é melhor botar seus ovos...

terça-feira, 6 de outubro de 2015

A canção de Pépinot







Voa aviãozinho de papel


Propulsiona-te do fundo deste lago
Rompe a tensão superficial
Das águas escuras

Fulgura,
Vê de cima
Além da cegueira estática
catedrática
Desta física bruta, constante
Ação, reação?
...
Voa no céu azul
E volta para mim
Desvia-te que há mar
E teu destino é voar

Hoje é sábado
Pépinot espera junto aos ferrolhos
Do portão acorrentado de siso

Traga tua música,
Manipula com dedos d’alma
As cordas que movem
A pequena marionete

E quando o metrônomo
Dois a dois
Constituir teu inteiro
Desata os nós

Teu origami
Quer traçar sozinho
A canção predestinada
A ser escrita nas asas do vento





quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Sabiá verde


Pintura de Wagner de Oliveira
O Filó que vontade mulé
é vontade de que tu qué?
Ai que saudade do pé...
Oxi oia o pé ai, tem inté chulé
As foia Filó, as foia fazia cafuné
Foia di que Zezé?
Quando nois panhava verdinho do pé
enche a boca d'água Filó
Tu ta é lelé
To não Filó
é que nem o canto lá do Dias
noi vei pa essa terra
de bacon, hamburguer and coke
o dó...
Dó de que mulé
di num tê jiló
ai que saudade de jiló...

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A menina que plantou uma floresta


Era uma vez um planeta árido, cujas areias quentes reluziam a verde luz de seu triste sol. Um planeta fadado. Era uma vez uma navezinha feita de pós constelares, movida a energia cósmica.
E uma voz grande que falava do universo para o universo, ordenando aos viajantes do espaço sideral que abrissem as sete cabines meteóricas, rompendo o lacre a vácuo, donde encontraram oculto sob as arestas iridescentes de um arco-iris, as finas portas de cristal, e dentro da pequena cela baldinhos de vime plenos de sementes.
E disse-lhes a grande voz:
- Ide, plantai e colhei.
E cada peculiar passageiro recebeu igualmente o mesmo balde, as mesmas quantidades de cada semente. E lacrimejavam felizes. Iam preparar um lugar.
Ainda em descendência, alguns se entristeceram pois o sol era verde; ao pisar ao chão arenoso, esmoreceram-se outros, cansados deitaram sob a fenda das penhas, no oculto das ladeiras:
- Faz calor, enfadados estamos, esperemos a chuva.
Mas a menina, única criança, enterrou sob sua primeira pegada a semente em formato de lágrima, uma macieira.
- Morrerá certamente, desperdiças tuas sementes.
E a menina encontrou a trilha onde um solitário animal passava todos os dias a caminho da montanha branca para uivar às três luas: amarela, vermelha e azul.
- Me parece que tuas noites são mais coloridas – disse ela.
O animal peludo rompeu o uivo. Os olhos ainda vidrados em hipnótica dança à cada lua. As orelhas longas súbito aprumaram-se.
- Não interrompas, comovo-as para que chorem. Vê? - apontou à distancia, ao fundo do vale que mal se discernia na penumbra, o reflexo multicolor das três luas sobre o lago quase seco do deserto, e irrompeu em ruidoso canto não lhe falando mais.
Os peregrinos que a seguiam arrazoavam entre si das estranhezas, da incoerência da criatura a cantar às luas.
A menina entretanto, encantada com tal visão, enxeu o peito de entusiasmo e serelepe plantou três sementes: uma rosa, um girassol e lilases. Cada qual em direção de seu respectivo reflexo em cor.
Ja era tarde. Adormeceu assim. A cabecinha cacheada repousando sobre uma pedra. Cobriu-se da areia morninha e sonhou que as estrelas lhe escreviam mistérios.
E o frio caiu sobre o planeta.
Alguns retornaram ao conforto condicionado da navezinha lançando suas sementes às pedras.
- Vão é o trabalho – lamentavam – este chão é estéril. Perdes teu tempo ó menina, gastas em vão tuas energias e tuas sementes. És tão pouco prática: imagine, plantar flores, não se pode comê-las.
A menina meio cabisbaixa tentou cantarolar uma canção muito antiga. Lembrou-se das espigas, e ao pé do vale enterrou seus grãos de milho na areia.
Um ronco alto do animalzinho a alertou, encontrou uma caverna morna, de entrada espinhosa. O animalzinho muito precavido não desconsiderava haver um dia predadores. Os peregrinantes riram-se muito dele, e ele, alheio, continuava sereno a roncar. Dois dos integrantes se enfiaram gruta adentro, “a espera de outra terra”, cansados da noite mal dormida.
E a menina percorreu o caminho, dia após dia, entre espinhos secos, áridas terras, sob o verde soturno sol, e foi a metade de um ano, a viver de comer as bolotas da nave.
O animal prosseguia uivando, a pequena semeando, e de contínuo vozes ralhando que o balde da menina esvaziava.
- Há que ter cuidado, saber quando usar tuas sementes. Não desperdice teu único recurso.
E aconteceu que uma noite, absorta a enterrar umas amendoas, a menina deu-se conta da ausência do uivo do animal ao longe. Observou pegadas frescas e prontamente as seguiu. Encontrou o animalzinho em curiosa posição: pom pom à mostra, ouvia ao solo atentamente.
- Olá!...
- Shhh...
Curiosa que era deitou sua orelhinha ao chão e ficou também à escuta durante tanto tempo que adormeceu ao relento.
Acordou quando quase de manhã ouvia um rabiscar de espinhos sobre pedra plana. O animalzinho calculava, rolava os olhinhos para cima, mordiscava o caule do espinho.
- Que ouvias? - indagou.
- Estou aprendendo a ouvir – disse ele – é preciso aprender a voz das águas.
E a menina atingiu a outra extremidade do planeta, enterrou as últimas três sementes e encontrou um cantinho donde um ovinho pendia.
- Que pena. – suspirou seu último acompanhante – Vês? A lagarta certamente morrerá, borboleta imprudente deixar assim seu ovinho à mercê.
Dito isto, vertendo copioso pranto olhou para trás e juntou-se a todos decididos que era tempo de retornar.
A menina cansada das idas e vindas orbitacionais decidiu que ficava. Deixaram-lhe as bolotas reminiscentes que durariam um tempo e outro pouco de tempo até que necessitasse mais. Ficaria a cuidar do animalzinho.
A navezinha partiu. E com ela veio a noite. Uma dessas noites lúgubres, frias, completamente nublada. E a menina sentiu medo. Pensou nas coisas todas que lhe diziam. Questionou-se. A menina chorou. No escuro distante o canto do animalzinho entristecia às luas.
Amanheceu ainda mais verde. Cansada da longa jornada a menina voltou a dormir profundamente.
Os astros viajavam incessantes no espaço e junto a eles a navezinha vagava, navegantes às janelas. E um dia o astrolábio apontou à estrela que anunciava: findavam as bolotas da menina.
Retornaram pronto.
Estranhamente, apesar da precisão do instrumento não encontraram o planeta. Havia desaparecido da face do universo.
Porém surpresos notaram um sol amarelo, um planeta azulzinho e uma densa floresta.. Decidiram visitar, encontraram uma mulher estonteantemente cascavelando entre eiras, circundada de borboletas, pássaros coloridos e animais filheiros.
- Eu disse que voltavam! Aqui... - esticou o bracinho delicado e colheu uma maçã – Comam, é doce.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Vozes


Polêmicas policênicas
Ruídos concêntricos
Brados
Uivos
Ais

Mimese da arte
A vida navega
Em infinita travessia
A um Hades
Sinistro
Sinestésico
Sintético
Fétido

Psiquè
Onde está teu algodão?
Caronte sorri
Um sorriso guloso
De quem não se importa
Se tens ou não o óbolo

Psiquè tapa os ouvidos
Mas não pode mais
Tapar aos outros
Que teimam gritar
Dentro de si

Cerra teus olhos, querida
A vida,
Ali,
A flor
Um carneirinho
Na folhinha da sala da vó
O vento gentil nas esguias folhas
Da mangueira frondosa
Amarelas mangas marengas
Maduras
Vacas serenas

Tapa teu nariz
Cheira a cera Paquetina
O vermelhão frio sente sob teus pés

Resgata tua Psiquè
Das vozes alheias
Liberta-te da teia
Ama,
Escuta aquela pequena voz
Tua chama de paz
Calada pelos berros
Cerrada em cadeias
Dialéticas
Dietéticas
Cibernéticas
Frenéticas
Éticas Éticas Éticas…

Dorme Psiquè
Deixa Zéfiro trazer
areias
Eros
Volúpias
Silêncio:
Olimpo