quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Sentença

quisera apenas ser
se fosse em pena
que pena

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Outono do sonho

Outono do sonho


Secas

as folhas crepitam

lançadas ao vento

fadadas ao pó


Secas,

como palavras mal proferidas

como bocas besuntadas em veneno

sulcando a derme

de incuráveis feridas


Secas

gargantas engolem

setas flamejantes de infâmias

insultos, inverdades, insensibilidades...

que queimam enquanto cortam

as entranhas do ego


Secas

lágrimas extintas

ante a conformidade

impassíveis faces esfaceladas

do brio da esperança


Secas

jazem as fontes da vontade

secas de projetos ousados,

de sonhos-miragem

E ante as algemas da responsabilidade

o espelho dos outros

nos insultam

mediocridade


Secas

são suas bocas profanas

insanas, fétidas

secas suas existências

seus legados de coisas


Secas

Suas medalhas enferrujam

enquanto a vida jorra afora

um mar de sabedoria

no qual nunca hás de banhar


Secas

as folhas passarão,

o teu frio congelará

castigará

mas assim como o inveno passa

o vento já estala a fundação da tua folha

e em pouco voarás em retorno

do pó de onde vieste


Secas

suas palavras cairão no esquecimento

porém as estações se renovarão,

virão primaveras, flores

gentilezas da vida

Exalarão perfumes

e haverá serenata de pássaros nos fios

novas margens, novos rios


Secas

suas almas como gravetos hão de crepitar

como o fazem espinhos no fogo



Fabiana Avila | Poeta

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

O enterro do Poeta


Lamentem-se viúvas
pranteiem órfãos
envolvam-se de negro
mães doravante silentes

Quem poderia te chorar Poeta?

Olhos de pedras
voltem a verter suas águas
impuras

O Poeta já não é

Virou o bixo
que queria devorá-lo

Levanta cedo
mas está morto
labuta
paga as contas
tenta acertar em tudo
já não respira
come
como o verme que o come
um dia comeu
e quando cerra as pálpebras
já não sonha

Adeus Poeta
Adeus caminho solitário
Adeus consolo transcendental

o Poeta não se tornou estrela
integrou-se
ao nada
à escuridão
tão longe
nem mesmo a luz
de outras estrelas
podem brilhar em si

A marcha fúnebre é celere
os abutres esperam famintos
que os alimente 
quotidianamente

O Poeta está morto
mas ainda dói


Fabiana Avila
13/02/2020

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Nada em flor


Quando eu já não for
Plante-me um jardim
Deixo este testamento
feito de sementes de amor

Se por acaso lembranças
sussitarem em teus olhos
cascatas de dor
Lembre-se só doerá
se houve amor

Quando as lâmilas verdes
irromperem do solo
envigoradas, viscosas
cheias de esperança
das flores que hão de vir
Contrua um trono feito de pedras
e uma fonte para descansar
teus pés cansados
Afrouxe os nós
não, não espere para sorrir

Quando o trinar dos pássaros
te acordarem deste sono que é a vida
verás que não estás,
nem nunca estivestes só

Cultive-me um jardim
de árvores e frutos
multicolores amores
epifanias em flores

Regue regularmente
as lembranças, sementes
E quando os feixes luzentes
Beijarem cálidos, mornos
as pálpebras dormentes

Acorde de leve
Boceje
e acompanhe sem pressa
a dança de uma borboleta

Apenas passo
ao passo que passas
Rastos apagados
tandos que passaram
que amaram

O amor fica
O inverno passa
A relva faz-se verde
E os pássaros filheiros
Anunciam vida
sob o tilintar secreto
dos lírios dos vales

Faz-me brotar de novo
E ouvir outra vez
O mensageiro do vento


Fabiana Ávila

sexta-feira, 15 de março de 2019

Antídoto



Aflito
Reflito
e aplico
em fluxo fluente
a flexibilidade léxica
às flechadas disléxicas
cujas setas de vernáculo tóxico
lancinantes afligem
flagelam, infligem
fincam como sufixo
inflexível em falácias
inflamantes
Faces perplexas
fixas a teu lixo
afixam difamantes
irrefletidos cravos,
furos, feridas
Fito-te do crucifixo
frágil, flâmula trêmule
ante meu afeto anti-circunflexo, diamante
obnóxio inflito,
desço
e te ofereço uma flor

Fabiana Avila

terça-feira, 12 de março de 2019

Concordância Em Sol Maior


Dança
pequena bailarina
nas cordas rijas
da infância

Com cor
rodopia na dança
da circunstância:
és criança

Paira etérea
substância atômica
e em constância
translada à chama

A pequena aleluia
encantada
pela luz morna
em tez macia
estremesse, cresce
efervesce na dança

Contrastasta o profundo
Aurora Boreal
farfalha como seda cintilante
contra o tafetá da noite

Ah voz pequenina
quando falas, cantas
borbulhante
sussurrante como bolhas em taça

Concordância
Esta tríade que soou em acorde
desde as cordas do universo
e te trouxe de lá

Dissonante este tempo
cujo pêndulo balança
retumbante
em nossas cordas já bambas
e cadencia a passos lentos

Em nossa aparente inércia
espectadores solícitos
assistentes somos
e nunca desapontas
resplandeces neste palco
em que saltitante danças!

Pequenina e translucente
alçando vôos, lançando sementes
bates ao vento constantemente
asinhas de esperança

Tanta ciência na flor de sua inconsciência
que perfume essa tua infância!


Fabiana Avila
12 de março de 2019

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Coisas pequeninas



Coisas pequeninas:
as células,
as sementes,
as gotas de orvalho,
lágrimas quentes
Dentro da membrana citoplasmática
o código enigmático
a sequência matemática
Exata
Das coisas que são
e das que hão de ser...
Coisas pequeninas:
a mãozinha quente recém-nascida
a florzinha cálida desabrochando em vida
sorrisos desdentados
as listras das abelhinhas
Coisas pequeninas
as ternuras, as finesses
as delícias mornas
de tantos amores
minusculamente,
estruturados
entre as fibras rubras
do coração que pulsa
Coisas pequeninas:
as estrelas,
pontinhos no céu sem fim
tão longe,
mas tão brilhantes
dentro de mim

Fabiana Avila
08/01/2019