quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ave avó



Eu avó,
sem dentes
de peles moles crescidas
alvos parcos cabelos
arrepios
Uma roupa que cobre
já não orna
a carne rejeitada
da urna que confina
minha juventude
Eu avó seguro
a mim menina no colo
acaricio-lhe os cabelos
as vontades do mundo
Eu avó,
só em mim
em mim avó
e a menina me olha
com lábios sujos de amoras
do agora
uma menina que vê além
dos olhos da avó
uma menina
Só.
Vovó!
Já não lhe ouço as palavras
sei-lhes todas
reflito do mesmo brilho
que em seus olhos
lampeja:
Uma menina de trás para frente
Uma avó às avessas

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Senha



 A senha por favor?

Qual é a senha?
Um, asterisco, três...
E agora? Seis?
O espelho desdenha
Esqueceu outra vez
Tamborilo os dedos sobre o tampo da penteadeira velha, asdfg hjklç
mentalizo as aulas velhas
datilografia
Em um tempo que cola
selava o envelope
da confidencialidade
Cerro os olhos
Seria três, asterisco, um...
arquivos enferrujados
pesados
cheios de burocracia
inútil
arquivos lotados
de bla bla bla
Não há mais espaço
no disco rígido
a rigidez do disco
tão concreta
antes aquele lugar
suspenso no topo do cérebro
donde se olhava quando cerrava os olhos
como que para enxergar
donde esquecer
era parte da vida
Esqueci, desculpe.
Qual é a senha?
Me pergunto
em auto flagelamento
Teria um símbolo?
Números? Letras?
Vislumbro a folha de papel
no jardim de infancia
a flor, o gato, um borrão em cima
em forma de pássaro
a escultura de massinha
uma chupeta
tia Aurea ralhando
para a menininha não colocar na boca
Simplicidades
saudosismo daquela compreensão
instantânea
Tenho ímpetos de socar a mesa
me controlo
é preciso manter o controle
Sempre.
O espelho me olha
como um cursor piscando
Qual é a senha?

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Mapa

Às coordenadas
ordena teus passos
certifica-te do que te atrai ao teu norte
não osciles agulha giroscópica
que a lei que te conduz
é maior
que a força da tua obstinação

Andarilho de trilhas misteriosas
enterras espinhos
às tenras mãos
porém inala do perfume
da rosa,
da rosa dos ventos

Se te deparas em abismos
não torne,
tua missão é a ponte
cujas tábuas
ao custo de seivas
foram cortadas
das árvores nativas
da floresta dos teus sonhos

E verás que é bom
quando suspensa no abismo
atravessares para o lado de lá

Quanto teu pé pisar
grãos primeiros
de terras estranhas
às tuas entranhas
constrói:
Uma casa
Um portão
Uma estrada
Uma placa
Finca uma bandeira

Depois sacode a poeira,
e observa no poente
cores ainda não visitadas
cidades ainda não edificadas

Não contenha a luz
que quer brilhar da janela
ainda longinqua em silhueta
na penumbra do teu querer
Leia o rodapé das margens
as letras pequeninas
as vitais palavras
que escondem tesouros
ainda meninos

E quando o sal tocar tua pele
ajunte os juncos
faça tua jangada
oscilar na imensidão das águas

Não seja altivo
tua posição ereta
te mostrará o horizonte
porém ocultará o firmamento
Rolos de pergaminho
deslizando abertos
lhe dirão sobre estrelas
sobre dimensões
expansões
ilusões de ótica
a saber: o Norte é um
e é preciso

Se os monstros dos mares rugem
se os ventos uivam
amarra-te à jangada
e faz-te mouco
até que a estrela da manhã
a bonança
te acorde à musica dos golfinhos

E quando finalmente ancorares
ergue os pilares de um porto
que abra portas
para o mundo inteiro
Abrace gentes
desintegra-te
faz-te peixe
alimente a fome
com o pão que trouxeste de lá
feito daquele trigo malhado
no lagar de vinhas não mais pisadas

Sê a paz se a queres
sacie se vês fome
chore os feridos
os perdidos
e não te esqueças nunca
dos esquecidos

Carregue nas tuas costas
a lenha
senha do fogo
aqueça
cozinhe
ilumine
dance as voltas
chore partidas

Hás de te deparar
com linhas opostas às tuas
e a cada encontro
um marco
uma cruz na tua carta náutica
coincidências de pontos
a traçar a trama dos fios
de uma grande meada

Ate os nós precisos
desate as cadeias
afasta de ti cordas
que não toquem música

Que a tensão
seja apenas a que te faça
emitir o sonido imperfeito
e exato
que complete a música


Ouça a voz das muitas águas
Jorre tua doçura
ao deserto sedento
da indiferença

Lança-te além
das forças
do que convém
das aparências
e nunca desistas

Quando ao final
cavares o chão
sobre a derradeira cruz
teu último encontro

Quando no baú tocares
com a pá que toca
aquele ponto cardeal
e escondido entre tábuas
encontrares o grande tesouro
que foi tua vida

Norte

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Curuá

Das águas cor café
Contam Chipayas e Curuahés
A lenda de um homem
que em meio ao salto estrondoso
paira a fumar o cachimbo da paz
Entre caixas de mantimento, mexericos, malária
ranchos, cansaço e cachaça sacolejam na boleia do jirico
A sequência de saltos em prolepse
anunciam o estrondo glorioso, catedrático
escondido, tesouro engastado
na Serra do Cachimbo
Curuá na base aérea
Misteriosa
Travessia entre Xingu e Tapajoz


Curuá menino
conhecido apeans do povo Jamanxim
Hoje majestade não ostentas
teu volume foi roubado pela PHC
Oh último segredo Curuahé
Choram por ti
as derradeiras lágrimas Chipayas
O dia que um novo homem lhe pisou
as margens virgens
e o homem ordenou que houvesse luz
interrompendo a sábia separação
Já não há trevas,
Teus peixes já não abundam
aos saltos da piracema
Nem redes, nem descanso
Curuá salta
em sequência
rumo ao seu último salto
Pajés que já foram
choram ao que será,
choram a cura
que curará a cachoeira
Curuá
Ah Curuá
Rio degradado


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Pedreiro


Valdemiro é filho de José, o carpinteiro

Valdemiro constroi:
com palavras,
com madeira,
com pedras,
com tijolos
e cimenta:
com barro
com argamassa
com lágrimas

Valdemiro trabalha
com coisas sólidas
constroi paredes para proteger
familias inteiras
das águas
do frio
da estiagem
da fome de linguagem

Valdemiro se entorta
do uso do prumo
do nível
do esquadro
caleja as mãos
lavrando madeira
amassando reboco
erguendo esteios

Filho de Maria,
a Alzira agraciada
que criou sua prole
em Bálsamo
ao som do vai e vem
do trem
que passa gritando
novas de outras aras

Guardador de palavras

Irmão de Davi
que já foi guerreiro
do finado Isaias
conselheiro
de Madalena...
cujo choro lava os pés
às memorias
das horas doloridas

Valdemiro
prepara terras
compacta
com o peso
do soquete
do verbo

Preconiza bases
fundamentos
para o alicerce
em que se há
de erguer castelos de sonhos
ou voltar a crescer a erva daninha




Ps. Ao meu paizinho, feliz dia dos pais (atrasado...)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Nano-nenê



Um bebê indefeso
Nasceu no meio da floresta densa
Olhos angelicais,
Irresistível sorriso banguela
Brincava com cobras
Imitava o rugido do leão
Foi amamentado pelas lobas
Acalentado pelos uivos serenos
E ensinado nas fases da lua

Um menino cujas plantas dos pés
Conheciam se pisavam
Pedras, grama ou ser vivente
Para escapar da crueldade
Que poderia vir a ser
Esmagar formigas inocentes

Um menino magricela
Crescendo esticado
Como os cipós longilíneos
A floresta era um playground gigante
O pequeno infante escorregava
No limo das rochas aspergidas
Da fonte, da mesma em que se banhava, bebia
Purificado das águas de sabedoria

E o menino teve fome
Cozeu para si um cordeiro
E desde então o lobo lhe incomodou
Passou a persegui-los
Em prol de seu rebanho

E veio um dia a pisar em um espinheiro
E da pele do cordeiro fez para si
Alpercatas protetoras
E seus pés deixaram de ler o chão
Para aprender quão alto
Poderia galgar sua criação

Temeroso de ser mordido
Pelo áspide, fez do cajado cutelo
Plantas se tornaram sorrateiras
Esconderijos, de ameaças peçonhentas

E o cutelo se tornou machado
Cortou com ele um campo
E organizou as sementes
Dementes
Que cresciam a esmo

E da madeira fez uma caverna
Longe das fendas das pedras
Uma cadeia em meio ao campo limpo
De pedras de plantas de perigo

E o menino já moço descobriu sua nudez
Cobriu parte de sua tez
Nas mantas sutis da moralidade

E conheceu mulher
Gerou para si filhos protegidos
De todos os perigos
Filhos criados em pequenas jaulas
Ansiando ler o chão com a planta dos pés

E criou manuais
Para a proteção das gerações futuras
E quanto mais livros
Mais floresta se extinguia

O pequeno gênio entusiasmado
Trancafiado em sua gaiola cristalina
Maravilha-se de sua obra-prima
Já não conhece o ébano
O negro vem do asfalto
A fruta do supermercado

Dentro do sistema do sistema
Começa a embrenhar-se
No desenvolvimento
de besouros nano-tecnológicos
Pássaros já são de aço
tesouros de plástico

Os filhos crescem atormentados
Em oroboro doentio
Obedientes, aterrorizados
Se matam para poder pagar o médico
Pajés já não curam
Filhos febris

O sol incomoda se é quente
A chuva se molha
A seca se definha a erva
Filhos que varrem raivosos as folhas
Dadivosas das árvores franzinas

Enquanto os dedos do robo-homem
Manipulam já  possibilidades
Astronômicas
Soluções fenomenais
Para fugir das lendas
E quanto mais sábio,
Mais se lhe aperta a venda
Já não ouve o que diz
A mensagem do pássaro
Que se esmagou na vidraça












segunda-feira, 22 de julho de 2013

Shhh



Shhh
Não fale
(…)

Há um pensamento
Que só se pensa
Em silêncio
Ouça:
(…)
sensibilidade
sonoridade
sapiência

nuances e
perfumes
ao sabor
do silêncio
(…)
Nem pio
nem cio
só silencio
(…)
Shhh
(…)

E o silêncio grita

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Vendaval


O vento uiva nos fios
voa vento
voam vendavais
revelam-se sibilantes

Ventos varrem as várzeas
ventania em pastos verdejantes
voa varrendo a vastidão
os vazios
as covas novas

Vértice sussurante
vandalizante, voa descabelando
chorões
desnorteando velas
despindo as vestes
de boninas vespertinas

Um vento visceral
vazante
viscoso
violando viciosamente
aves
povos
os vícios vazios

Voa voa voa

Alvoroçando
vibrando em claves
as andorinhas nos fios

Vento de vozes vorazes
de virtutes esquivas
de inverdades veladas

Vento cegueiro
vento de ciscos e traves

Uge
sopra brasas tenazes
vaza vértebras
e voa certeiro

Enverga a árvore
a avó que varre
e a que vai varrer
evocando vozes

Vozes de vento
vento de vozes
vozes que vêm
vozes que vão
vento no vão
poeira vã
no vazio de um chão

terça-feira, 18 de junho de 2013

Soar

Os sinos soam
Soam os sinos
Sinos toscos
Sinos finos
Sim
A sina dos sinos
é soar a sina
da hora finda
Sim
da união linda
da partida
Soam os sinos
nos pináculos dos templos
Sisudos
Cinzentos
Sim
Soam sinos sonolentos
Soam lamentos
Soam alentos
Soam sinalizando
Os tempos
aos ventos
Sim, soam
pontos de som
Sim princípio
Sim fim

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Penas


Passos descompassados
rastros
O mesmo caminho já gasto
esculpindo
memórias em alabastro

Solo magnético
pêso
garras cibernéticas
frenéticas
Cadeias dialéticas
confinam um cético

Pés pisam o pó
de antepassados
além do véu transpassados
 já desataram o nó
Desintegrados
integram-se ao chão

Pés que saltam
em pequenos voos
vinhos
substancias
pequenas transcendencias
aos herdeiros da decadencia

Duras penas
Peso de vento
te aprisionam do firmamento
penas arrancadas
de asas quebradas
pela geração
pés no chão

A abóbada mestra
convexa
se abre límpida
no arco pleno
tão simples
ora complexa
aduelas nítidas
feitas de sereno

Espera que o peso
deixe teus ombros
que saltes desta tua matéria
que te misture ao vento
e que tuas penas sejam apenas
das asas do teu pensamento


quinta-feira, 2 de maio de 2013

Marina partida





Algas emaranhadas aos cabelos
Dançando qual tentáculos
Coroando a face pálida
A boca encarnada cerrada
As bolhas extintas
Olhos vitreos fitam além
Do vai vem sereno
Dos peixinhos coloridos

Um pé descalço
O outro ostenta o sapato
Bordado de vidrilhos
Cintilantes

A fazenda farfalhante brilha
Ondulando qual flâmula
De um conquistador

O pé alvo, descalço
Balouça no plasma
Resvala na anêmona
Furtacor
Como que em troça

O vestido está preso
À cadeira entalhada
Enterrada na areia
Perpendicularmente
Pés de garras de águia
Seguram um globo

Anima Mea

Livre
Voam braços
As pulseiras cintilam
As pérolas do colar arrebentado
Ornamentam a areia
Circundando o pé calçado
De volta ao berço

O fundo do mar está em festa

A sua destra reluzem objetos
Destroços
Ondulam tecidos
Ariscos mariscos

Enquanto os novos súditos
reverentemente
circundam em ciranda
à nova rainha
Marina