terça-feira, 23 de outubro de 2012

Revoar de folhas



Sagradas raizes prendem-se ao instante da semeadura
opulentas, as árvores contam as histórias dos serenos
das estiagens, das voltas de tantos corações
Guardam em si a memória dos passarinhos
Do repouso das borboletas
Do menino que viverá para sempre envolto às lembranças de uma infancia
A avó varre as folhas com a vassoura de piassava, uma vassoura feita de folhas mortas
folhas que um dia transcenderam a verde fotossíntese
das cores tantas de um arco-iris oculto em luz branca
Luz de um sol tão distante
As folhas da mandioqueira picadinhas em sopas para as bonecas de plástico
As das mamoneiras a crescerem desvairadas, nos barrancos, à esmo
folhas de coqueiros vestidas como cocar
Folhas aladas em sonhos infantis
Crepitam no fogo as chamuscadas, carbonizadas
folhas desprezadas esmaecendo-se em cinzas
folhas na mesa do jantar
sabores em folhas exóticas
Folhas tenras, ora secas, murchas...
Folhas envenenadas cobrindo o sexo ante o primeiro saber da ciência
O menino levanta-a contra a luz lá fora
Tenta ler o destino escrito em veias verdes
Bebe com elas água nas fontes dos esmos
enquanto um pajé espreme sumos curandouros em uma cuia cheia de esperança
Folhas que voam ao vento
Rodopiando bailarinas ao pulso do momento
descrevendo arabescos, linhas, hieróglifos
estalando silenciosas dos galhos da que choram-lhes a perda
Repousam folhas sobre o solo macio
Sepultadas, esperam a metamorfose alheia de um tempo
que lhes fará alimento, seiva à nova folha por vir

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Código



Helen Kellers da vida
tentando decifrar o código
de dentro do ovo
lá fora uma multidão que não enxerga
que não fala
que não ouve os pios vãos
uma vóz que grita do deserto
não me faço entender?
Ou ignoras o que digo?
Ouça!
Se me ignoras me aniquilas
e já não existo
não me tranque no armário escuro,
sim, imploro
o veículo para nos vermos
está em suas mãos
é o que já dizia uma mãe
é preciso ser gentil, ouvir
o que é feito da gentileza?
Ouça!
não pise com pés sujos
o terreno sagrado das idéias alheias
Helen Keller ainda no escuro
espera a senha para ser

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Epifania em Azul Tiffany



O céu por vezes parece um terreiro varrido,
azul tiffany
epífane
nuvens brancas leves soltas
algodão doce dissolvendo no azul
da boca do céu
Como um véu
cobrindo o mistério turquesa
de branca incerteza
Firmamento de vento
que encerra dos olhos
um infinito oculto em luz e ar

Quando a aurora enegrece os outeiros longínquos
emudecendo dos pássaros os faceiros canticos
desfaz-se o azul celeste
pintando o céu em degradês de azuis royal, marinho
até que os cabelos da noite cubra de negro o oeste
A mágica quietude da ausência da luz clarinha
deixa entrever além da esfera, que é necessário
o escuro, para avistar a luz de outros mistérios