quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O Vestido

Preso à hora do encanto
o vestido ata
justo à cintura
silhueta sílfide
escultural
contra a luz
na porta da ocasião

Enclausuradas entre ilhoses
as palavras proferidas
a concretização
do juramento

Pontos cosidos
manualmente,
meticulosos
precisos
cingidos pedaços
de sonhos
de suspiros
de sinas

Aspirações
da artesã
intensionalidades
bordadas com fios de seda
flores de brocados
gotas de pérolas
cândidas
cobrindo a luxúria
da incontrolável paixão
nos moldes firmes
das barbatanas do corpete

Encantam-se
vestido e ela
como asas diáfanas
translúcidos os véus brancos
esvoaçantes acenam ao vento
arrastando no tempo
a pequena cauda
que farfalha no azulejo

Uma mão lhe toca primeiro
tornando carne a imagem
o momento airoso
depois braços
outras fazendas
risos, lágrimas
e uma pequena estrada

A sofreguidão rasga
delicadas organzas
arranca pérolas
amarrota fios

O vestido arrancado assiste
sobre a cadeira estofada
o descortinar
de sua última noite livre

Quando a aurora rompe vermelha
a manhã,
é dobrado as pressas
recebendo os últimos afagos
papéis de seda
uma caixa lhe cerra aos olhos
um solavanco lhe empurra
embaixo da cama

Raramente visitado
a fazenda amarelece
desfalecem-se as fibras
salientam-se as quinas
enrijece a fazenda fina

Ela o visita tempestivamente
percorre os dedos saudosa
ora molha com lágrimas tristes
ou lhe joga de volta ao escuro,
em ira

Já não o veste mais
desde que o visitou
apresentando-lhe pequena mãozinha
olhinhos encantados
ao ver-lhe os arabescos

O vestido não serve mais
está sujo, mofado
amassado
fora de moda
porém guardado
atado ao legado
à glória de um passado

Borda-lhe o tempo
fios de possibilidades
e o bolor em prolepse
aveluda a concretude branca