domingo, 27 de janeiro de 2013

Pranto de Santa Maria



 Santa Maria chora.
Oh lágrimas dolorosas
E agora?
O mundo ao avistar a Santa
Também veste a negra manta
Os morros calados ao longe
Abraçam-na em espanto
Ante o emudecer dos lábios o canto

Santa Maria chora sem consolo
A nuvem ácida que murchou-lhe as flores
o calor febril que teceu-lhe em dores

Santa Maria chora os filhos,
Chora os pais, chora as moças
Os quartos vazios
A lacuna
Soluçam em coro as tantas mães Marias

Um estileto negro jaz no chão chamuscado
testemunha da pressa da Cinderela às avessas
Picaretas, machados, romperam a parede
aos que tentavam aplacar das chamas a sede
Um buraco, em desespero rasgado, atravessa
Para o lado dos que já se tornaram alados

Santa Maria chora
Os filhos alegres agora heróis
a triste memória dos que ficam
(Soluça)

Santa Maria ontem se alegrava
com os que se alegram
Hoje, Santa Maria chora
com os que choram

Santa Maria chora
(...)



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Água sagrada


Janeiro chora lá fora. Escorre das janelas embaçadas as gotas fartas da seiva de vida. Uma chuvinha cálida, sem trovões, uma noite silenciosa, sem preocupações pela manhã. Roncam veículos ocasionalmente, e o friozinho convida ao enlace das cobertas. 
Lembranças de uma janela de metal, de um metal barulhento que gritava de alegria ante os pingos da chuva. A janela da casa na Cohab. A irmãzinha deitando-se correndo, pois chuva lhe era sinônimo de soneca. A sopa da mãe cheirando gostoso, legumes fresquinhos ebuliam em infusão. Líamos o gibi gasto novamente. A irmã mais velha reclamando da luz. 
Era dia de abrir a mala antiga que ficava debaixo da cama. Nela a enciclopédia com todos seus mistérios, e a coleção de Língua Portuguesa do Jânio Quadros. Livros tão queridos, folheava saltando páginas aos excertos de poesias. Livros manchados de barro. Barro da enchente. 
A mãe trazia a sopa em tigelinhas, colheres avulsas. O fogão, geladeira e armário azuis da cozinha refletiam a lúgubre luz no telhado de telhas de cerâmica, sem forro. Observávamos as aranhas pernudas tecerem, as lagartixas se fartarem. 
 - Mãe, conta a estória da enchente!
E a mãe contava, da chuva, que era Réveillon, que esperava nosso irmãozinho que já se fora tão cedo, que a água atingira os umbrais da porta. A mãe contava detalhes, minúcias, da chuva que caía em São Paulo por dias a fio. Nunca minha mãe maldisse a chuva. Nos mostrava a alegria dos pássaros quando ela vem. Assistíamos da janela o descortinar-se da líquida transformação. O abacateiro no fundo do quintal balouçando suas folhas brilhantes e derrubando frutos de alegria. A mangueira encharcada, a lama escorrendo no quintal. A terra se fartando e dando graças ao milagre do céu. 
Mas me ensinaram que minha mãe não sabia de nada, que precisávamos nos encher como baldes das idéias prontas em livros tantos. Hoje quando ligo a televisão, e perco tempo precioso ao invés de estar observando a chuva, me revolto ao ouvir pessoas finas, do mais alto nível de educação dizerem que o estado lá fora é miserável porque a chuva cai. Gostaria que eles houvessem conhecido a sabedoria de minha mãe, nunca diriam tamanha blasfêmia.
A chuva continua caindo mansa lá fora, minha mãe tão longe. Obrigada mãe por me admoestar a inspirar dessa chuvinha que cai como presente de aniversário. Meu coração estará sempre pleno do morno calor das tuas sopas de amor, agora com licença que a casa ressonando me convida a visitar os sonhos. 



quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

É tempo


Tempo de varrer a poeira
de retirar do armário o vestido suntuoso
Tempo de saltar sobre as cinzas do fogo apagado
Tempo de deitar fora as tristezas antigas que já não servem mais
É tempo
de se olhar em paz para a imagem do espelho
de não vislumbrar as rugas, os cabelos brancos
e sim a vida que este tempo representou
É tempo de contar as bençãos,
de arar os novos campos
de semear a boa semente
e esquecer que o inverno veio
ante a morna luz da manhã que acalenta os teus sonhos
É tempo de sonhar tão alto
que se vislumbrem apenas as nuvens lá de cima
que o teu sonho esteja guardado entre as macias auroras
sobre caminhos de algodão
É tempo de soltar a voz
em canto
de despir-se das mazelas, das concupisciencias
de andar tão leve que voando
É tempo de parar ante a beleza da florzinha da grama
de observar as formigas,
tempo de não contar estrelas,
todas parte de um mesmo céu
tão ao alcance das tuas mãos
É tempo de rir com a simplicidade das crianças
com a imaturidade de um coração que ama
tempo de cadenciar teus passos
ao compasso do piano
tempo de rodopiar em volupias de alegria
Tempo de abraçar tuas Marias
de deitar no colo da tua mãe
e sentir a proteção do teu pai
é tempo de lembrar das minas puras
esquecer das garrafas confinando vida
tempo de desprender o gênio
de agradecer aos sábios o silencio
tempo de renascer do pó
brotar das cinzas e florescer ao novo
agradecendo ao que te ensinou o que se finda