terça-feira, 27 de agosto de 2013

Curuá

Das águas cor café
Contam Chipayas e Curuahés
A lenda de um homem
que em meio ao salto estrondoso
paira a fumar o cachimbo da paz
Entre caixas de mantimento, mexericos, malária
ranchos, cansaço e cachaça sacolejam na boleia do jirico
A sequência de saltos em prolepse
anunciam o estrondo glorioso, catedrático
escondido, tesouro engastado
na Serra do Cachimbo
Curuá na base aérea
Misteriosa
Travessia entre Xingu e Tapajoz


Curuá menino
conhecido apeans do povo Jamanxim
Hoje majestade não ostentas
teu volume foi roubado pela PHC
Oh último segredo Curuahé
Choram por ti
as derradeiras lágrimas Chipayas
O dia que um novo homem lhe pisou
as margens virgens
e o homem ordenou que houvesse luz
interrompendo a sábia separação
Já não há trevas,
Teus peixes já não abundam
aos saltos da piracema
Nem redes, nem descanso
Curuá salta
em sequência
rumo ao seu último salto
Pajés que já foram
choram ao que será,
choram a cura
que curará a cachoeira
Curuá
Ah Curuá
Rio degradado


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Pedreiro


Valdemiro é filho de José, o carpinteiro

Valdemiro constroi:
com palavras,
com madeira,
com pedras,
com tijolos
e cimenta:
com barro
com argamassa
com lágrimas

Valdemiro trabalha
com coisas sólidas
constroi paredes para proteger
familias inteiras
das águas
do frio
da estiagem
da fome de linguagem

Valdemiro se entorta
do uso do prumo
do nível
do esquadro
caleja as mãos
lavrando madeira
amassando reboco
erguendo esteios

Filho de Maria,
a Alzira agraciada
que criou sua prole
em Bálsamo
ao som do vai e vem
do trem
que passa gritando
novas de outras aras

Guardador de palavras

Irmão de Davi
que já foi guerreiro
do finado Isaias
conselheiro
de Madalena...
cujo choro lava os pés
às memorias
das horas doloridas

Valdemiro
prepara terras
compacta
com o peso
do soquete
do verbo

Preconiza bases
fundamentos
para o alicerce
em que se há
de erguer castelos de sonhos
ou voltar a crescer a erva daninha




Ps. Ao meu paizinho, feliz dia dos pais (atrasado...)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Nano-nenê



Um bebê indefeso
Nasceu no meio da floresta densa
Olhos angelicais,
Irresistível sorriso banguela
Brincava com cobras
Imitava o rugido do leão
Foi amamentado pelas lobas
Acalentado pelos uivos serenos
E ensinado nas fases da lua

Um menino cujas plantas dos pés
Conheciam se pisavam
Pedras, grama ou ser vivente
Para escapar da crueldade
Que poderia vir a ser
Esmagar formigas inocentes

Um menino magricela
Crescendo esticado
Como os cipós longilíneos
A floresta era um playground gigante
O pequeno infante escorregava
No limo das rochas aspergidas
Da fonte, da mesma em que se banhava, bebia
Purificado das águas de sabedoria

E o menino teve fome
Cozeu para si um cordeiro
E desde então o lobo lhe incomodou
Passou a persegui-los
Em prol de seu rebanho

E veio um dia a pisar em um espinheiro
E da pele do cordeiro fez para si
Alpercatas protetoras
E seus pés deixaram de ler o chão
Para aprender quão alto
Poderia galgar sua criação

Temeroso de ser mordido
Pelo áspide, fez do cajado cutelo
Plantas se tornaram sorrateiras
Esconderijos, de ameaças peçonhentas

E o cutelo se tornou machado
Cortou com ele um campo
E organizou as sementes
Dementes
Que cresciam a esmo

E da madeira fez uma caverna
Longe das fendas das pedras
Uma cadeia em meio ao campo limpo
De pedras de plantas de perigo

E o menino já moço descobriu sua nudez
Cobriu parte de sua tez
Nas mantas sutis da moralidade

E conheceu mulher
Gerou para si filhos protegidos
De todos os perigos
Filhos criados em pequenas jaulas
Ansiando ler o chão com a planta dos pés

E criou manuais
Para a proteção das gerações futuras
E quanto mais livros
Mais floresta se extinguia

O pequeno gênio entusiasmado
Trancafiado em sua gaiola cristalina
Maravilha-se de sua obra-prima
Já não conhece o ébano
O negro vem do asfalto
A fruta do supermercado

Dentro do sistema do sistema
Começa a embrenhar-se
No desenvolvimento
de besouros nano-tecnológicos
Pássaros já são de aço
tesouros de plástico

Os filhos crescem atormentados
Em oroboro doentio
Obedientes, aterrorizados
Se matam para poder pagar o médico
Pajés já não curam
Filhos febris

O sol incomoda se é quente
A chuva se molha
A seca se definha a erva
Filhos que varrem raivosos as folhas
Dadivosas das árvores franzinas

Enquanto os dedos do robo-homem
Manipulam já  possibilidades
Astronômicas
Soluções fenomenais
Para fugir das lendas
E quanto mais sábio,
Mais se lhe aperta a venda
Já não ouve o que diz
A mensagem do pássaro
Que se esmagou na vidraça