É
maio, um cheiro de brisa invade as manhãs no reino distante das majestosas
paineiras em flor. Elas vivem no alto da montanha do Pozzobom. Em meio a relva
fresca, um caminho de cascalho abre passagem aos dois lados: de cima, abaixo. A
grama floresce, são pequeninas flores amarelas que parecem pompoms, peninhas de
pintinhos recém-nascidos.
Há
flores minúsculas e roxas, quase negras que quando apertadas entre os dedos
deixam manchas rubras. O burburinho de risos passeia ao vento; risos felizes de
crianças, os primos queridos. Sempre encontra-se em meio a vegetação selvagem
algumas marias-pretas, madurinhas. O ar frio da manhã enche gostoso o peito,
cheiro de grama pisada, o cabelo acariciando o rosto de leve.
O
“descidão” é o melhor escorregador do mundo. E lá de baixo pasmos cismamos por
um instante a beleza das paineiras. Como uma nuvem de esperança os periquitos
filheiros chegam em bando, e a manhã se enche de canto; misturados risos e o
barulho dos periquitos. Começa a chover pétalas, o céu turquesa, as nuvens
esparsas e imensamente brancas emolduram a imensidão rosa. Um cheiro suave de
flor começa a rescender.
A
subida é íngrime, mas quando se brinca de “quem chegar por último é mulher do
sapo” não se percebe se sobe ou se desce. O riso tem o mesmo som. E lá de baixo
da paineira está ela, com os pezinhos descalços acariciando a grama, a mãozinha
delicada tentando enlaçar o tronco robusto da paineira, tão gentil que os espinhos
afiados não lhe causam dano algum. Ela sempre sorri, uns dentes brancos lindos
e covinhas dos dois lados do rosto; ela espera pacientemente que lhe
acerquemos.
A
chuva de pétalas é mágica: um mundo rosa de suavidade e doçura qual algodão
doce. Em meio a chuva ela rodopia com seu vestidinho branco, esvoaçante,
cantando sempre dança em meio a chuva cor-de-rosa com um ombrinho delicado à
mostra.
“Meu
potinho de melado
Minha cestinha de cará
Quem quiser casar comigo
Feche a porta e venha cá
Ô lê lê lá lá...”
Corre
ligeira para a cestinha de vime. Retira uma colcha de chenille veludosa;
lança-a com as duas mãos ao vento que vai abrindo as dobras da fazenda macia.
Delicada e ligeira, com as pontinhas dos pés ela pisa o tecido e se assenta,
graciosamente. O vento brincalhão lhe joga o chapéu de palha na grama úmida.
Como
um íma nós corremos para ela, enchemo-lhe os cabelos longos, fartos e negros
com as flores rosas. Há flores em seu colo e ela enfeita o chapéu cantarolando
sempre. E como as saúvas nós todos em uma busca frenética lhe trazemos as
frescas flores que caem.
–
Tia Maria, olha esta que linda!
Ela
sorri, agradecida mostrando as covinhas encantadoras e começa:
–
Era uma vez...
Em
segundos estamos todos em silêncio, apenas o som da manhã orquestra o fundo da
estória encantada que lá vem. Os olhos brilhantes e ávidos fitam a espera
enquanto assentados a sua volta ouvimos. Eram estórias de princesas encantadas,
de moças gentis que só faziam o bem; de homens valentes, príncipes que vinham e
resgatavam a princesa de uma sempre buxa malvada. Foi assim que conhecemos às
princesas: Cinderela, Branca de Neve, Bela Adormecida, Bela... Todas tão
diferentes porém tão iguais: gentis, espirituosas, alegres e sempre muito
bondosas.
E
os maios foram se passando. Ela conhecera um moço muito alegre que visitava aos
domingos a casa do avô em sua motocicleta. Resolveram um dia que se casavam.
Tia Beth também conhecera a um rapaz. Com a tia Beth canta-se, sempre. Seus
dedinhos pequeninos e calejados das cordas do violão corriam frenéticos
acompanhando a voz maviosa nas tardes de domingo. Job controlava o gravador
misterioso que o avô sempre ralhava se se apertasse as teclas. Como as duas
estavam casadoiras, resolveu-se que se casavam no mesmo dia.
Foi
em maio, a mágica das paineiras traduzidas num bolo de escadas cor-de-rosa.
Lindo. A caprichosa mãe do noivo (também Maria) o fizera. Elas chegaram de
branco tão limpo que doía os olhos ao sol. Vestiram coroas com gotas na testa e
um lindo véu que voava ao vento cintilando das minúsculas gotinhas
transparentes que lhes ornamentavam. Etéreas posavam para o fotógrafo. As
noivas mais lindas que já se viu, segurando as mãos sorriam felizes uma para a
outra, vislumbrando as delícias do encanto do momento. Véus brancos, flores
rosas, céu azul.
Outros
maios vieram. Alguns acerca das paineiras, outros, tão longe. Crescíamos
impacientes do dia em que poder-se-ia feqüentar os círculos concêntricos das
moças bondosas.
Então
vieram os doze anos, havia uma reunião que se fazia na igreja somente para
jovens; vesti neste dia o meu melhor
sorriso e fui, encantada em conhecer jovens dóceis, mal podia esperar pelas
amigas todas que teria.
Já
no pátio sorria olhando para os formosos vestidos coloridos, procurando por
olhos, sem contudo encontrar nenhum. Não vencida aproximei-me do bebedouro e
exclamei às duas jovens que lá bebiam:
–
Que lindo dia, não?
É minha primeira reunião!
Com
as bocas ainda entreabertas elas pasmaram-se estarrecidas por um instante, a
água escorrendo-lhes boca-abaixo. Tornaram-se, fitaram-me de alto abaixo, com
um meneio de ombros rolaram seus olhos de suas órbitas e me deram as costas.
Meu sorriso ainda congelado murchando aos poucos.
Depois
disso muitas outras vieram, muitos meneios de ombros, comentários malvados,
suspiros de exasperações. E aprendi assim que as moças não eram princesas; não
havia encanto nelas, não havia senso de irmandade e sim rivalidade. As moças
gentis se desvanesciam como o orvalho após o sol sair.
Durante
muitos maios magoada eu sentia saudade das princesas. Era continuamente
admoestada a fugir dos tons pink.
–
Demonstram fraqueza – uns diziam.
–
Encouraja à fé em coisas que não existem –
diziam outros.
–
Mulher tem que ser forte! - exasperados outros
apregoavam.
E
tudo não fazia muito sentido até o momento em que me dei conta de que na
verdade pink, rosa, cor-de-rosa não rotulavam fraqueza alguma, e que o rosa das
paineiras não nos havia de forma alguma feito acreditar em coisas que não
existiam: falávamos de bondade, de amizade, de vínculos de amor tão fortes que
nem a morte conseguia separar.
Hoje
tão distante das paineiras eu sei que aprendi, em imensa parte com minha tia
Maria a como ser forte, como acreditar nos sonhos encantados porque eles são
sim reais. Minha tia Maria foi
minha primeira princesa.
6 comentários:
Em minha recente visita ao Brasil, lamento muito dizer, mas a paineira já não existe mais.
DE; TIA MARIA
FABI,OBRIGADA POR ME FAZER TÃO ESPECIAL,ESTE É O PRESENTE MAIS PERFEITO QUE VC ME DEU.BJS AMO VCS DEMAIS.
Só fotografei com palavras o poema que você é tia Maria...
Tia Maria e André, Tia Beth e tio Edson, 27 anos de casados! Nunca me esqueci deste dia lindo. Parabéns!
Obrigado,pessoas como vc nos fazem especial,isso e um dom de Deus,amo vc bjs .
Obrigado,pessoas como vc nos fazem especial,isso e um dom de Deus,amo vc bjs .ass; Tia Maria S.P.
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