A vidraça
translúcida embaçada pela chuva miúda e constante, não pode cobrir de todo as
imagens da vida cotidiana que os rostos desconhecidos estão levando. A
travessia de ruas é incansável, passos que vão e vêm.
Nas frias manhãs de
Domingo, quando todas as lojas estão fechadas, a praça central torna-se
solitária, poucos se arriscam a sair de casa.
Vagarosamente
continua a chuva a cair. Somente um estabelecimento está aberto: o boteco da
esquina. O piso é malcheiroso, as paredes cobertas de nódoas e limo, o cheiro
de gordura é insuportável e uma espessa nuvem de vapor se dissipa no ar,
tornando-o irrespirável. Há um rádio ligado num desses programas vulgares onde
se fazem anedotas e toca-se música de mau gosto.
Neste inóspito
ambiente, tudo vibra e se move: tem vida. Mas a vida está onde não deveriam
estar os seres viventes, seres estes que não viveram e sim produtos das
manipuladoras máquinas que funcionaram com seus ruídos indiferentes durante
toda a semana que se passou.
Vida esta, que
aquele homem adiante está, em sua embriagues a bradar, tropegamente andando
sobre os paralelepípedos bicolores da praça. Seus braços se cruzam quando uma
rajada de vento o atinge; está frio e suas roupas maltrapilhas apenas cobrem
sua nudez.
Os pombos se
aglomeram na calçada, estão à cata das migalhas deixadas pelos fiéis que
assistiram à missa dominical. O bêbado avista e pára, colocando pensativamente
a mão sob o queixo. Que terá ele pensado nesse lapso? Que indagação, qual o
motivo da contemplação dos pássaros?...
Seriam os
pássaros a lembrança dos filhos à espera da migalha que hoje ele não levaria
para casa? Sua expressão desolada facilmente traduz-se neste pensamento.
Segundos depois,
continuou seu caminho de passos tardios e descompassados, bradando
energicamente às árvores, personificando-as, talvez, fazendo-as compreender um
ponto de vista qualquer.
A gota formada
pelos borrifos de chuva desliza, acompanha a lágrima que o mundo todo já chorou
pela condição da miséria humana.
Sossegadamente o
bêbado se vai...
Não! Quem se vai
é o ônibus que nos leva para longe, o bêbado jamais irá, estará sempre nas
esquinas, dormindo nas calçadas e nos frios bancos dos jardins. Ao relento,
molhados, com fome e frio. Incapazes de estenderem-se a si as mãos que o fariam
levantar.
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