quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Pela Janela do circular


A vidraça translúcida embaçada pela chuva miúda e constante, não pode cobrir de todo as imagens da vida cotidiana que os rostos desconhecidos estão levando. A travessia de ruas é incansável, passos que vão e vêm.

Nas frias manhãs de Domingo, quando todas as lojas estão fechadas, a praça central torna-se solitária, poucos se arriscam a sair de casa.

Vagarosamente continua a chuva a cair. Somente um estabelecimento está aberto: o boteco da esquina. O piso é malcheiroso, as paredes cobertas de nódoas e limo, o cheiro de gordura é insuportável e uma espessa nuvem de vapor se dissipa no ar, tornando-o irrespirável. Há um rádio ligado num desses programas vulgares onde se fazem anedotas e toca-se música de mau gosto.

Neste inóspito ambiente, tudo vibra e se move: tem vida. Mas a vida está onde não deveriam estar os seres viventes, seres estes que não viveram e sim produtos das manipuladoras máquinas que funcionaram com seus ruídos indiferentes durante toda a semana que se passou.

Vida esta, que aquele homem adiante está, em sua embriagues a bradar, tropegamente andando sobre os paralelepípedos bicolores da praça. Seus braços se cruzam quando uma rajada de vento o atinge; está frio e suas roupas maltrapilhas apenas cobrem sua nudez.

Os pombos se aglomeram na calçada, estão à cata das migalhas deixadas pelos fiéis que assistiram à missa dominical. O bêbado avista e pára, colocando pensativamente a mão sob o queixo. Que terá ele pensado nesse lapso? Que indagação, qual o motivo da contemplação dos pássaros?...

Seriam os pássaros a lembrança dos filhos à espera da migalha que hoje ele não levaria para casa? Sua expressão desolada facilmente traduz-se neste pensamento.

Segundos depois, continuou seu caminho de passos tardios e descompassados, bradando energicamente às árvores, personificando-as, talvez, fazendo-as compreender um ponto de vista qualquer.

A gota formada pelos borrifos de chuva desliza, acompanha a lágrima que o mundo todo já chorou pela condição da miséria humana.

Sossegadamente o bêbado se vai...

Não! Quem se vai é o ônibus que nos leva para longe, o bêbado jamais irá, estará sempre nas esquinas, dormindo nas calçadas e nos frios bancos dos jardins. Ao relento, molhados, com fome e frio. Incapazes de estenderem-se a si as mãos que o fariam levantar.


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