Era
uma vez uma galinha granjileira, nascera assim, um dia, de um modesto ovo
pequenino; era franzina e demorou muito à aprender ciscar sozinha, mas todo o
poleiro tomou logo conhecimento da novidadeira: do primeiro pio já se lhe
entrevia o espírito vivaldino, sagaz. A mãe tivera três lindos pintinhos.
“Mas
como aquele era franzino” – pensava a pobre Cocobeca balbuciando um cacarejo de
encorajamento à pobrezinha.
O
galinheiro era um lugar feliz, apesar das constantes brigas pelas parcas
minhocas. Milho? Só de vez em quando, nos finais de semana e feriados. Os pintinhos
cresciam numa algazarra só; nem bem amanhecia, beliscavam as asas protetoras
das mães para correrem livremente no quintal piando faticamente o tempo todo.
Brincavam de pique, de rodas, de poleirinho encantado... Umas gracinhas. Quando
completavam seis dias estavam prontos para ir a Granjescola. As mães franziam
as cristas nas filas determinadas a garantirem uma vaga aos filhotes. E como
cacarejavam... Sobre como estava calor, sobre esses pintinhos de hoje em dia
tão espertos – “antigamente não era assim não senhora”. Sobre quem havia sido
assado – “um horror Granjamadre”, sobre o governador do galinheiro, umas
contra, outras a favor. As vezes até se bicavam, mas logo iam se desculpar no
poleiro da vizinha por bicá-la assim, por nada. E assim reinava a paz do
galinheiro.
Ora
mal completara seis dias de vida do pintinho franzino já sabia escrever seu
nome, ler algumas palavras e erguia o bico orgulhosamente piando alto:
-
Eu vou ser escritora, vou cacarejar granjinglês e vou morar na Gringogranjelândia.
O
senhor Galo sorria orgulhoso, já a dona Galinha cacarejava que não ficasse
sonhando com os galinheiros alheios, que nascera para o puleiro e que a granja não
é coisa pra galinha carijó.
Inconseqüentemente
o pintinho sonhava, estudava muito, aprendera a amar os livros que podia
emprestar da granjiblioteca; lia-os ávida cheirando as páginas, passava horas
tocando com as peninhas da ponta da asa nas páginas amarelas.
O
tempo passou rápido, o pintinho logo emplumou, se tornou uma franguinha de
grandes olhos irrequietos, pernas muito finas e muitos, muitos livros debaixo
das asas.
Começou
logo a escrever, crônicas, poemas, escrevia prolificamente e sempre. Contudo as
crises pelas quais o galinheiro sempre passava a impediam de crescer na vida.
Não queria ser lá uma galinha famosa, mas sonhava em poder viver cismando,
ciscando e escrevendo. Entretanto no poleiro da vida tinha que trabalhar duro o
dia todo.
Algum
tempo depois, tornara-se já em uma galinha-moça sem atrativos físicos em
especial; tão magricela coitada que o grajavô lhe compôs: “quando vejo franga
magra/Logo me vem no sentido/ ou é fome ou é doença/ ou é maltrato do marido”.
No trabalho então um franguinho metido a galo lhe cantava “sapateia franga feia”.
Coitada, era mesmo muito feia, mas como cacarejava bem no papel. Conseguira
ingressar à faculdade, se deu muito bem, era convidada para projetos, tirava
notas altas e sempre andava flutuando com novas idéias.
Assim
aprendeu que na verdade nunca tivera um sonho de viver na Gringogranjelândia, antes
se objetivara a obter isto, para chegar àquilo: ser escritora. Precisava muito
conseguir alguns dólares para ajudar ao senhor Galo e à dona Galinha que já
estavam doentes, quase desmoelados, além de viver sonhando com um tempinho
livre, longe das olheiras e tanto stress pela correria da vida.
Às
vezes pensava em desistir, lembrava sempre dos conselhos: “pára com isso, quem
nasceu em poleiro não é para a granja!”. Apesar da inteligência a pobre jovem
galinha nunca pôde compreender por que uns nasciam em granjas chiquérrimas
enquanto eles tinha que lutar ferrenhamente pelo bocado minhocal, nunca
prosperando. Por que tanto contraste em um galimundo tão evoluído.
O
galinheiro mal sobrevivia nos galhos da
velha mangueira do quintal, cercado de um mato muito cobiçado pelas vacas que por
ali pasteavam. Por sorte havia uma cerca, mas esta enferrujara e ameaçava ruir
a qualquer instante. Algumas galinhas preocupavam-se muito com isso, faziam
passeatas e criavam ongs tentando proteger o matagal biodiversificado do qual
se alimentavam.
Um
dia a galinha soube de um programa especial, poderia viajar para a
Gringogranjelandia se falasse um pouco o granjinglês, passasse no teste
piopsicológico, tivesse entre 18 e 26 dias, soubesse dirigir, não tomasse
destilados de milho e nem fumasse da palha, se não tivesse problemas de
obesidade, emocionais, físicos, pagasse uma astronômica quantia de mil e
oitenta dólares ao programa (imagine para a pobre franguinha que quantia
impossível). Porém a pobre galinha lutou por três anos: economizou, não foi à
festas, não saía aos finais de semana, fazia um cursinho de granjinglês
comunitário, que um franguinho solidário ministrava aos sábados a tarde, pediu
dinheiro emprestado à sua tia do galináceo Frão Paulo para tirar a carteira de
frangotorista, mas dirigia que era uma lástima, coitada. Até a foto na carteira
de motorista demonstrava-lhe o pavor, o sorriso amarelo da pobrezinha.
E
assim foi, deixou o último ano da faculdade para dispor-se a ser escolhida,
imagine, por uma família da galinácea gringogranjelana. Seu trabalho seria
cuidar dos filhotes durante o dia e estudar durante o tempo livre. Acabou conseguindo;
foi escolhida por uma família com três pintinhos bebês. Muito lindinhos.
Chorou
copiosamente na despedida, amava demais sua faculdade e teria que sacrificar o
partilhar do último ano de seu curso e também a chance de graduar-se com os
amigos de três longos anos.
Embarcou
em um gavião enorme, era a primeira vez que voava. O vôo durou nove horas, foi
durante a noite. De manhã cedinho chegaram à “big apple”. Voou sozinha, ninguém
para conversar, todos introvertidos ensimesmando. A pobre galinha sentiu-se
muito mal durante o vôo, ia já sentindo uma saudade gigantesca de toda a vida
frenética que deixara em seu querido Granjasil.
Viu
neve pela primeira vez, vestiu seu casaco de penas e passeou sobre as ruas do
galinácio nova-iorquino. Uma galinha sozinha em New York, que galinheiro imenso
e lindo, gaiolas douradas reluzindo, quanta suavidade na neve. Os carros são o
sonho de todo franguinho. As galinhas, muito brancas de olhos azuis andam
cacarejando baixinho, muito educadas, com seus bicos vermelhos e unhas
esmaltadas e penas de grifes famosas.
Depois
do treinamento, a jovem galinha embarcou para seu destino final: a granja onde
mora o presidente da Gringogranjelândia, Granjuóshington.
Os
galinheiros de Granjuóshington são lindos, tudo reluz, há flores ornamentais,
tudo funcional, “o melhor que há no
mundo” cacarejam os gringogranjelanos orgulhosíssimos.
As
galinhas gringogranjelanas levam uma vida muito saudável, há horário para tudo,
desde o comer da ração matinal até o momento de adentrarem suas gaiolas
granjais para dormir. Ostentam sempre o bico superior suspenso para parecer que
estão sempre sorrindo. A pobre galinha jovem tem câimbras de tanto sorrir de
volta.
Todas
as noites, após a ração, a pobre jovem galinha se retira para o alto do poleiro
que lhe fora reservado no sótão da granja, e cacarejando baixinho chora; pios
de soluço lhe agitando o peito franzino. Tem tantas saudades das cristas
conhecidas, acostumara-se já aos pés das galinhas granjileiras, como sofria
tentando adaptar-se aos sapatos gringogranjelanos.
Trabalhar
de babá é o melhor método anticoncepcional, pensava; “imagine lá se eu vou
querer um dia arrumar o meu ninho e botar um ovo, arre!”. E a cocobeca relembrava saudosa das aulas na
faculdade granjal, das poesias, das emoções tantas que uma penosa como ela já
tinha aprendido a apreciar, até das bicadas dos professores sisudos cantando de
galo tinha saudade.
E
os dias se passavam, a franguinha definhava e aprendia todos os dias palavras
novas; lembrava-se ainda da primeira vez que sonhou cacarejar granjinglês. Foi
assim que aprendeu, cacarejando titubeante os primeiros “to pirs” e logo
cacarejava sentenças inteiras.
Acostumou-se
um pouco ao puleiro alheio, feliz pelo menos por estar enviando à família o
bocado minhocal. Todos os dias ao entardecer, após banhar os pintinhos famintos
e entregar-lhes à senhora Carijó, ela se retirava, ia entreter-se a observar as
galinhas estrangeiras passeando em seu lugar predileto: um puleiro-café e
livraria onde por longas horas assistia a vida galinácea, escrevendo suas
idéias frangais.
Porém
um dia, estado ela ensimesmada ciscando consigo mesmo uns bocados no puleiro
café, adentrou ao puleiro um galinho com ares de valente e humor radiante.
Irreverentemente aproximou-se de seu poleiro, todo emplumado cacarejando alto.
Foi-lhe dirigindo olhares penosos, demonstrando sinais de que adoraria bicar a
ela, a quieta cocobeca.
A
princípio ela hesitou, afinal era uma franguinha donzela, não era dessas
galinhas depenadas que andam por ai não senhor. Mas o galinho todo galã lhe
disse que não se preocupasse, que não era galanteador banal, queria
conhecer-lhe a história toda, desde que chocara.
Titubeante
a cocobeca foi-lhe dizendo os primeiros cós, e logo cacarejava tagarelante como
nunca. O galinho a fitava atento, balançando a crista vistosa e molhando o bico
em sua beberagem galinesa. As pernas finas da franguinha tremiam, - como era
bom, enfim, dividir seus temores, sonhos e dissabores - pensava. Nem bem passou
um dia e os jovens franguinhos já morriam de amores.
Se
casaram em Granjas Vegas. Ela vestiu penas alvíssimas, carregou um buquê de
gardênias perfumadas, enfeitou com brilhantes a crista, passou brilho bical e
se sentiu a galinha mais linda do mundo. Ele sorria feliz, garbosamente
balouçava sua crista recém-polida, levou-a pela pena da ponta da asa, docemente
bicando-a depois do sim.
E
tudo em Gringogranjelândia ficou lindo. O amor dos jovens penosos enfeitara as
ruas, diminuira a distância e a saudade que a jovem sentia de lá, pois as árvores
de cá já ostentavam pássaros que podiam contar uma história linda que
principiava.
Porém
a jovem galinha continuava a lamentar-se ter deixado o último dia de sua
faculdade, até que um dia decidiram que ela voltaria ao Granjasil.
E
assim o fez, a cocobeca fez suas malas e partiu para mais um dia em seu amado
poleiro natal. Reviu a família, amigos de outrora, comeu do bocado minhocal que
tanta saudade tinha (que tempero!) e os pássaros cantavam acima do poleiro
celebrando sua volta.
A
galinha estudou, concluiu seu curso com muito orgulho. Depediu-se durante todo
aquele longo dia preparando-se para voltar à Gringogranjelândia. Deixou com
saudade os pais, já frangos de idade, suas irmãs casadas e seus seis sobrinhos
que chocaram e cresciam tão bonitinhos. Era uma galinha tia agora, a vida lhe
acrescera mais do que sonhara.
E
assim vive a cocobeca hoje, distante das palmeiras, do canto do sabiá, mas tem
um cardinal que canta maviosamente sobre seu poleiro e de seu garboso galo. Ficou
mais bonita, mais chique e vivendo em Gringogranjelândia gradativamente
adapta-se aos costumes galinácios estrangeiros. Tem saudades de sua terra, seu
poleiro natal, mas tem mister Galo que lhe cacareja tantos carinhos, que lhe
faz uma galinha tão completa que a cocobeca se põe pensativa: “Sabe meu galã,
que tal um ovo?”.