quarta-feira, 4 de abril de 2012

Café

Entre o burburinho dos clientes, entre o ruído das máquinas moedoras paira um aroma de café. É o café de uma livraria enorme chamada Barnes & Nobles. Estou sozinha, uma au pair nos Estados Unidos. A cidade é Bethesda, suburbio de Washington DC. Parece o paraíso das revistinhas das testemunhas de Jeová. Tudo organizado, bonitinho, casas amplas, boas escolas e flores nas janelas.
Não fosse o aroma insidioso do café que me entra pelas narinas. O café aqui é servido em copos grandes, demorei a acostumar com o sabor. Dizem lá ser o melhor do mundo, mas não creio que já tenham provado o café da minha mãe; ou aquele que meu pai me fazia após a aula na faculdade.
Café e saudade se misturam quando experimento a bebida forte, levemente adocicada. Lembro dos paralelepípedos bicolores da minha Votuporanga, do café na Hammer: café com amigos. Até o cafezinho da garrafa escorrida do chinesinho, que saudade. Hum, o café caipira que minha avó torra, o da livraria universitária nos intervalos. Café com livros. Noites em claro.
Nostalgicamente vejo meu passado refletido no café fumegante. Lembro-me do cafezal do meu avô Fidelcino. Das viagens de trem para Bálsamo com minha avó Alzira, como era lindo ver os cafezais correndo pelas janelas do trem.
Café lá em casa é tema para discussão séria: "o Flor da mata?" Deus me livre - "parece milho torrado" ou "o Ribeirão sim já foi um grande café, mas ultimamente..." E assim iam, longos colóquios ao redor de uma mesa pequena, rodeada de muitas cadeiras sempre lotadas e entre xícaras da fumegante moca.
Café aqui é bom. Compro um copo "big" e sento solitária a ler, olhar a vidraça ou então tomo no carro enquanto dirijo. Café com solidão.
Mas quando sento a mesa com um café, Votuporanga se torna o recanto mais florido das minhas memórias. O combustível perfeito para eu sentir vontade de escrever. Café com pena.
"Vamos brincar de pique?" Ecoam os resquícios da minha infância "a Maélly é café-com-leite!" Até nossas brincadeiras eram ao sabor do café.
E ainda a piadinha boba do Gesiel: "qual é a diferença entre o homem e o bule? É que o homem tem fé e o bule é para por café! Ah ah ah!" - ria sozinho, a gente rindo mais dele que da piada.
Café de bule, coado no coador de pano da vó Zira, da vó Téia, das tias todas... cada casa, cada momento um sabor de lembrança.

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