É véspera de natal, a moradora
dos bancos de concreto repousa sobre os ombros pruridos do duro concreto.
Lágrimas secas, já derramou todas por si e pelo mundo. Ecos longínquos,
brilhos enevoam-se enquanto braços abraçam distantes a fortuna de uma história.
A mulher da praça estremece
no desvario febril. Tem saudade da história interrompida há tanto tempo atrás, confunde se o que relembra são fábulas ou a si. A sua volta a concha acústica
parece enfeitada. Latas brilhantes, pedaços coloridos de maça do amor, fitas,
papéis ilustrados em cores vivas, recortes da felicidade testemunhada.
A neve postiça meio arrancada
balouça ao vento, dançam os copos de plástico coloridos negligenciados após o
uso. "Eram tão brilhantes" - ela pensa entremeio um leve despertar.
Quando cerram-se-lhe os
olhos, vê desprender-se a neve que como confete branco cai sobre a cidade,
voando na brisa suave. Abaixo de si já não sente o cimento, mas a suavidade
macia da alva neve. Uma neve morna e envolvente lhe abraça por um instante,
apenas para despertar novamente no minuto seguinte pelos risos de adolescentes a
lhe fitar entre gargalhadas. Ela sorri apreciativa pela visita, feliz,
soam-lhes os risos como espinhos crepitando no fogo.
Uma a uma as lojas cerraram
suas portas. Apagaram-se as luzes, extinguiram-se os passos, já não se ouve a
voz do canto e eis que os sinos da matriz anunciam as doze badaladas.
Com os olhos cerrados,
vestida da alva neve ela flutua galgando dos doze degraus da escuridão, um a
um. Alongam-se-lhe os cabelos, resplendecem-lhe as vestes e um sereno aroma de
rosas lhe invade as narinas. Ela sente a face enrijecer, ruborizar. Já
do terceiro degrau avista a estrela longínqua entoando vozes celestiais,
aproximando-se desta que estende as mãos pela derradeira vez.
A praça permanece escura.
Alheia com seus plásticos todos ao milagre de natal. Foi preciso o escuro para
que ela recebesse sua tão desejada estrela.
Encontraram-na na manha
seguinte. Coberta de misteriosa substancia alva, cintilante; esboçava um
sorriso e os olhos vítreos brilhavam como que fitando a estrela da manha.
National Hospital, 25 de dezembro de
2012...
Saudades imensas.