- Moço, uma
passagem por favor.
Para onde? Para
onde vou?
Ele não me ouve,
o telefone toca.
Alô? Sim o 395
chegou, não, não senhora, já chegou.
O chão rescende a
mijo curtido, sortido, encrustado nas frestas sextavadas do pavimento rachado. Um
cheiro misturado ao pinho do desinfetante amarelo.
Olhos de ressaca
espiam taciturnos das janelas na penumbra.
Não, não olhos de
Capitu, de ressaca mesmo, olheiras fundas, faces babadas.
Malas prontas.
Vazias. Pés descalços. Cabelos cortados.
- Uma passagem
por favor.
A mãe chora
inconsolável à porta do 416. A filha acena de dentro com a mão do bebê
sonolento, sobe as escadas de costas, o motorista suspira condescendentemente.
Penso na carta.
Perfumada com um ramo de alfazema imaginário, dobrada minuciosa e
geometricamente em ousado origami. Uma vida para dizer com palavras tudo o que
estava aqui, engasgado.
O motor arranca
fedendo a diesel. A mãe se arrasta ao destino certo como se trouxesse o ônibus
às costas.
- Vai pra onde
senhora?
E agora? O
pensamento irrompe como que em eco.
Não quero ir para
onde todos estão indo com essas caras de querer ficar. A lista indiferente apontando destinos
concretos, definidos, espetados como que
eternos no mesmo lugar.
Já é tarde, ainda
bem, o vendedor indiferente continua com os olhos grudados em algo debaixo do
guichê. Este já chegou – penso.
Pra onde?
Coloco a carteira
no balcão engordurado. A mala vazia faz tremer os ligamentos nos ombros exaustos.
- Onde senhora?
- Vou-me embora –
sorrio, um novo lampejo acende no olhar. Deito a mala no chão. A
identidade, no balcão. O vendedor continua insidiosamente gritando “a carteira
dona”. A voz vai sumindo, e com ela a estação, as roupas, as mágoas. Só a
antecipação impulsiona as moléculas: para frente, para frente, infinito adentro
mergulho.
Na escrivaninha
escura do quarto, a folha vazia em forma de passarinho súbito voa, janela afora.