sexta-feira, 14 de março de 2025

Ave Maria

 

Nossa alma, Maria

hoje canta em réquiem

Rosas na tua face

joias incrustadas

o teu olhar além


Foram tantas tintas

de alegrias,

pétalas cálidas,

teu sorriso marcante

pintados perpétuos

nas telas da memória

e que cores!

Que amores!


Seus irmãozinhos

seguram para sempre

tua pequena mão

feita de sonho

e quando se assentarem

nas pausas da vida

hão sempre de lembrar

Maria, da tua alegria


Faze-lhes ver Maria

que lhes visita

no voo das borboletas

no resplandecer das flores

no tilintar dos sinos

dos mensageiros do vento


Maria vive

nos jardins do paraíso

risonha, florida

cheia de vida

Maria pequenina

resplandece sobre nós

o olhar de querubim

pois no céu não há tristeza

e tua partida, não é o fim…


para a família do anjinho

Maria Dutra Costa

com todo carinho

Vis0es

 

Visões


Visões,

vestígios de vida

Vi

Ouvi

visões e vozes

vazões de vidas

vividas

esvaidas


Desvairadas

vidas

Aves

vis

servis,

vísceras

viscosas

vícios vazios

anises


Vivi


Vi


vislumbres de asas leves

indeléveis

levadas ao vento


Ouvi

Breves

semibreves

Greves e

Neves


Vi


Povos servis

gentes gentis

gentios

hostis

visionários

ao porvir


Sorvi

elixires

vesti

travesti


vitupérios

virtudes

veladas


Vi

Davi

Elis

flor-de-lis


e ouvi

Palavras

Saraivas

virtudes

de vencidas

vaidades


Os bem-te-vis

valentes

assoviavam

maviosos

oh ave

ouvi

as vozes aladas

aos ares anis


Vibrava ainda a vida

livre

das vitrines

do vidro

dos lacres invioláveis

das traves e

víboras


dentro dos ventrículos

avalassadora vida

pulsava

vigorosa às veias

vai

vem


e além da vidraça

ocular e invisível

o universo

não vazio

imitava em voz

e chama em pavio:

Ouve, vê além,

Vitor 13/08/2019

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Marcão! Eu recordo com saudade!


Eu recordo com saudade!

Àqueles tempos de criança

quando aos domingos íamos

às reuniões de jovens e menores

quando o bordado da simplicidade

ornava as bocas dos jovens

e encantava as jóias preciosas

brilhantes nos olhos das crianças



Quantas vezes

Congregávamos em prantos

e como uma manhã

a alegria chegava certa,

em ondas, em cantos



Era menininha triste

pobre e necessitada

mas que riqueza tínhamos

quando às madrugadas

os jovens chegavam

na janelinha simples

enferrujada…



Como azeite puro

ecoavam nas noites estreladas

harmonias como de anjos

além da sombra do flamboyant



Aquelas lágrimas secaram

aquele riso largo ecoa ainda

mas o canto, este subiu ao céus

e reverbera desde o infinito



Hoje os anjos lhe deram

as merecidas asas

e uma harpa acompanha

a gravidade da voz maviosa

Como o céu está feliz!



Hoje desce à terra

o invólucro amado que conhecemos

semeado na terra

um sonho tão lindo

a brotar em esperança

de um dia encontrá-lo junto a Deus

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Thea Teteia

     



Uma boneca em forma de avó

assim foi minha Dorothea

cabelos longos em forma de coque

penteados

ungidos de azeite de oliva

durante quase toda a vida

pretinhos

Minha vó Thea

sempre uma tetéia

de terninho

combinando

sapatinhos com saltinhos

Pedra de esquina

toda manhã matinava

e varria a longa ciranda

varria as lágrimas

enquanto falava com Deus

às vezes agradecia alto:

“Glória “tioh” nome Senhor!”

minha tetéia

carregava em suas veias

os longínquos polímeros

desde Poblete e

Pozuelo de Calatrava

Vó Thea é história

início da minha história

nossa história coletiva

dos tempos em que a terra

foi salvação

em tempos de guerra

Trabalhadora

desde tempos de arados

gado

café

alface

vó Thea é nossa própria face

forte sem medo da lida:

lavou

cozinhou

bordou

cuidou…

sobre todas as coisas

alinhavou nas tramas

do nosso coração

os doces fios em crochê

da colcha amor

bem quentinha

“o fia a vó não esquece você

todos os dias apresento

em oração”

que paz ir dormir sabendo

que a vó Thea orou por nós

Choramos por ti

nossa Tetéia

porque hoje o céu não recebe

mais uma oração por nós

hoje nós vamos nos debulhar

em pranto

lembrando que amamos tanto

os dias do teu encanto

te agradecemos pela luz

pela graça

pela força

por nos abrir a porta

Hoje a luz divina

raiou sobre a terra

e a levou para lá

Vejo ela de terninho branco,

sem rugas

véu na cabeça

sorrindo aquele lindo sorriso

e brilhantes:

os olhos

a aura

um dentinho de ouro

ela levanta e anda

com as pernas ágeis

adentra os portões

do paraíso

encontra o vô

o pai

o Joãozinho…

os filhos que já dormiram

traz os molhos cheios

frutos de toda sabedoria

que semeou em vida

ela apresenta-se diante do trono

ao Pai das luzes

envolto de dourado a chama:

“Dorothea!”

E tanto quanto em vida

ela diz:

“Eis-me aqui Senhor”

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Ponto


Nascimento: ponto de partida

Oscila a vida

Ponto a ponto

ponto na célula: núcleo

Ponto de ônibus

espera

chegadas e partidas

Ponto de vista

distintos

Ponto de ligação é ponte

pontos oscilantes

no sangue: pulso

na música

pontos entre silêncios

na mínima

três tempos

se ponto de duração

no corte para cura

em morse

para dizer em silêncio

O ponto da questão

para se concordar ou não

panela em ponto de ebulição

calda em ponto de fio

carne ao ponto

na orelha ponto de luz

ponto pequeno

ponto G

Shakeaspeare: ser ou não ser

nas cartas náuticas

coordenadas

em ter: tudo ou nada

A ponto de enlouquecer

encontrar um ponto de luz

estrela guia

um ponto no mar

a ilha

se te explico:

dois pontos

binários: dois fatos

em fibra ótica

pontos impulsos

em competição

pontos ao pódio

em afetos: amor e ódio

Estrelas, pontos no infinito

nas indecisões: três pontos

no céu: três Marias

na máquina

pesponto

à mão: ponto cruz

entre o céu e a terra:

pontífice

filosofia

nos seguimentos de reta

limites com início e fim

então a morte

Ponto final.

O ponto?

O ponto!



Fabiana Avila

25 Setembro 2024




quinta-feira, 27 de junho de 2024

Lena Lena Madalena

a que ria

a que chorava

a que juntava

a que alegrava

Madalena partiu

ai de nós que ficamos


tia Lena!

Parece soar longínquo

a voz das crianças

ao pé da aboboreira

à sombra das mangueiras


tia Lena!

Ela descia do carro marrom

trazendo seus molhos cheios

de novas

de sonhos

de choros e alegrias

Ela sempre trouxe

o presente

de sempre estar presente!


Aos doze meu primeiro curso:

datilografia


toda data natalícia

ela chegava trazendo cores

do melhor! Ela dizia:

Faber Castel


Tia Lena,

cheiro de baunilha

de recheio de bolo


- Três beijinhos:

Que é pra casar!


Tia Lena,

amigo secreto predileto


Madrugava sempre

Madalena:

Animada

Cuidadora

Sem reclamar da lida


Sempre teve o dom de respeitar

de ver além

mas com olhos de simplicidade

ditava sabedoria


Madalena em outra história

foi a primeira

a anunciar Cristo vivo

Nossa Madalena não diferiu:

anunciou que o caminho

a verdade e a vida

é amar

e estar em família

Madalena venceu hoje

mas sua vida continua

dentro de nós

em forma de puro amor



homenagem à minha querida tia Lena

que dormiu hoje


gratidão e saudades eternas,


com todo esse amor que fica,

já que não pudeste ficar...


Fabiana Avila

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Outono do sonho

Outono do sonho


Secas

as folhas crepitam

lançadas ao vento

fadadas ao pó


Secas,

como palavras mal proferidas

como bocas besuntadas em veneno

sulcando a derme

de incuráveis feridas


Secas

gargantas engolem

setas flamejantes de infâmias

insultos, inverdades, insensibilidades...

que queimam enquanto cortam

as entranhas do ego


Secas

lágrimas extintas

ante a conformidade

impassíveis faces esfaceladas

do brio da esperança


Secas

jazem as fontes da vontade

secas de projetos ousados,

de sonhos-miragem

E ante as algemas da responsabilidade

o espelho dos outros

nos insultam

mediocridade


Secas

são suas bocas profanas

insanas, fétidas

secas suas existências

seus legados de coisas


Secas

Suas medalhas enferrujam

enquanto a vida jorra afora

um mar de sabedoria

no qual nunca hás de banhar


Secas

as folhas passarão,

o teu frio congelará

castigará

mas assim como o inveno passa

o vento já estala a fundação da tua folha

e em pouco voarás em retorno

do pó de onde vieste


Secas

suas palavras cairão no esquecimento

porém as estações se renovarão,

virão primaveras, flores

gentilezas da vida

Exalarão perfumes

e haverá serenata de pássaros nos fios

novas margens, novos rios


Secas

suas almas como gravetos hão de crepitar

como o fazem espinhos no fogo



Fabiana Avila | Poeta

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

O enterro do Poeta


Lamentem-se viúvas
pranteiem órfãos
envolvam-se de negro
mães doravante silentes

Quem poderia te chorar Poeta?

Olhos de pedras
voltem a verter suas águas
impuras

O Poeta já não é

Virou o bixo
que queria devorá-lo

Levanta cedo
mas está morto
labuta
paga as contas
tenta acertar em tudo
já não respira
come
como o verme que o come
um dia comeu
e quando cerra as pálpebras
já não sonha

Adeus Poeta
Adeus caminho solitário
Adeus consolo transcendental

o Poeta não se tornou estrela
integrou-se
ao nada
à escuridão
tão longe
nem mesmo a luz
de outras estrelas
podem brilhar em si

A marcha fúnebre é celere
os abutres esperam famintos
que os alimente 
quotidianamente

O Poeta está morto
mas ainda dói


Fabiana Avila
13/02/2020

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Nada em flor


Quando eu já não for
Plante-me um jardim
Deixo este testamento
feito de sementes de amor

Se por acaso lembranças
suscitarem em teus olhos
cascatas de dor
Lembre-se só doerá
se houve amor

Quando as lâmilas verdes
irromperem do solo
envigoradas, viscosas
cheias de esperança
das flores que hão de vir
Contrua um trono feito de pedras
e uma fonte para descansar
teus pés cansados
Afrouxe os nós
não, não espere para sorrir

Quando o trinar dos pássaros
te acordar deste sono que é a vida
verás que não estás,
nem nunca estivestes só

Cultive-me um jardim
de árvores e frutos
multicolores amores
epifanias em flores

Regue regularmente
as lembranças, sementes
E quando os feixes luzentes
Beijarem cálidos, mornos
as pálpebras dormentes

Acorde de leve
Boceje
e acompanhe sem pressa
a dança de uma borboleta

Apenas passo
ao passo que passas
Rastos apagados
tandos que passaram
que amaram

O amor fica
O inverno passa
A relva faz-se verde
E os pássaros filheiros
Anunciam vida
sob o tilintar secreto
dos lírios dos vales

Faz-me brotar de novo
E ouvir outra vez
O mensageiro do vento


Fabiana Ávila

sexta-feira, 15 de março de 2019

Antídoto



Aflito
Reflito
e aplico
em fluxo fluente
a flexibilidade léxica
às flechadas disléxicas
cujas setas de vernáculo tóxico
lancinantes afligem
flagelam, infligem
fincam como sufixo
inflexível em falácias
inflamantes
Faces perplexas
fixas a teu lixo
afixam difamantes
irrefletidos cravos,
furos, feridas
Fito-te do crucifixo
frágil, flâmula trêmule
ante meu afeto anti-circunflexo, diamante
obnóxio inflito,
desço
e te ofereço uma flor

Fabiana Avila

terça-feira, 12 de março de 2019

Concordância Em Sol Maior


Dança
pequena bailarina
nas cordas rijas
da infância

Com cor
rodopia na dança
da circunstância:
és criança

Paira etérea
substância atômica
e em constância
translada à chama

A pequena aleluia
encantada
pela luz morna
em tez macia
estremesse, cresce
efervesce na dança

Contrastasta o profundo
Aurora Boreal
farfalha como seda cintilante
contra o tafetá da noite

Ah voz pequenina
quando falas, cantas
borbulhante
sussurrante como bolhas em taça

Concordância
Esta tríade que soou em acorde
desde as cordas do universo
e te trouxe de lá

Dissonante este tempo
cujo pêndulo balança
retumbante
em nossas cordas já bambas
e cadencia a passos lentos

Em nossa aparente inércia
espectadores solícitos
assistentes somos
e nunca desapontas
resplandeces neste palco
em que saltitante danças!

Pequenina e translucente
alçando vôos, lançando sementes
bates ao vento constantemente
asinhas de esperança

Tanta ciência na flor de sua inconsciência
que perfume essa tua infância!


Fabiana Avila
12 de março de 2019

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Coisas pequeninas



Coisas pequeninas:
as células,
as sementes,
as gotas de orvalho,
lágrimas quentes
Dentro da membrana citoplasmática
o código enigmático
a sequência matemática
Exata
Das coisas que são
e das que hão de ser...
Coisas pequeninas:
a mãozinha quente recém-nascida
a florzinha cálida desabrochando em vida
sorrisos desdentados
as listras das abelhinhas
Coisas pequeninas
as ternuras, as finesses
as delícias mornas
de tantos amores
minusculamente,
estruturados
entre as fibras rubras
do coração que pulsa
Coisas pequeninas:
as estrelas,
pontinhos no céu sem fim
tão longe,
mas tão brilhantes
dentro de mim

Fabiana Avila
08/01/2019

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Mãos Atadas

Stanislav Szukalski - Struggle


Ah dedos longilíneos
dedos cruéis, mãos ossudas
Mãos maquiavélicas
atadas ao pescoço
sufocando o canto
suprimindo ares
exprimindo pranto...

Sob o tato frio
o cranio lateja
e desenrolando constante
o tapete vermelho pulsa,
se apressa!

Ah dedos cegos
vendando às iris
o universo infinito,
cerrando as janelas
e maniqueísticamente
vendendo triunfos
em fogos de artifício

Mão
entre teus vãos dedos
quanto tempo cabe
antes que tudo se acabe
mão finita, contável
hesitante

Garra cruel
como pássaro fascínora
encara, assassina
esmaga a presa impotente
que hipnotizada sob teu olhar
padece
e expira,
uma última transcendência

Fabiana Avila

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Irmãzinha

“Vem com a tata, vem!”
Sem hesitar ela vem, serelepe,
sainha amarela de bolsos grandes
cabelos compridos, soltos, sem pentear
Seguro firme a mãozinha da irmãzinha querida,
olho dos dois lados
sentindo o pêso da responsabilidade
atravessamos a rua Rio Negro
de terra, lama e valas profundas
O pasto verdinho convida a correr,
amparamos o arame farpado
eu para ela, ela de dentro, para mim
Adentramos ao espaço aberto
o mundo se torna bicolor, azul e verde
corremos, pulamos
beijamos as bebezinhas gêmeas
uma minha, outra dela
Ao longe no pasto, à direita,
uma mangueira
frondoza, generosa de mangas,
futuramente cercada e escola Juraci
à esquerda distante ainda, um muro longo,
branquinho, latidos de cães…
ferramos os dentes nas goiabinhas
verdes ainda, corações ainda sem sementes,
marrentas, pés raquíticos à beira do barranco
“Tumba, la tumba, la tumba, la gue..”
às doze badaladas esqueletos emergem das tumbas
um a um, ossinhos ágeis, frágeis dançando ao vento
máscara feita de dedos ossudos
a irmãzinha não consegue,
“tata, faz para mim!”
poeira e riso no sol poente
“Vou-me embora prá bem longe
Esta é a triste verdade,
talvez sozinha eu encontre, a paz e a felicidade”
- canto alto, sempre melancólica
Ela interrompe, alegre:
“Quando eu era neném...”
à tarde febril votuporanguense
daquele ontem tão pueril
cantamos o ciclo esperado
às mulheres de então
Minha irmãzinha, minha responsabilidade,
depois de escorregarmos incontavelmente
o barranco vermelho
da D. Zulmira,
voltamos para a casa
descalças, rubras de barro
sôfregas de felicidade
A irmãzinha perdeu sua boneca,
ela é pequenininha, dou-lhe a minha
ela cessa o pranto
mas ranheta, não quer tomar banho.
Mais tarde sob a manta (calor ou não)
Ela aponta o dedinho
para o quadro da moranguinho,
quer que eu conte a estória do sapinho
sobre a vitória-régia outra vez
Dormimos ainda ontem!
Acordamos tanto tempo depois
Ainda sinto a mãozinha quente
“Tata tô com medo, acende a luz”
acendo pronto e seguro ela pertinho
para não ter medo,
mas ela não sabia que eu também tinha medo
e que ela me dava uma baita coragem
Vim embora para bem longe, já não estou sozinha,
às vezes temos paz, foram tantas felicidades
Trouxe comigo essas memórias preciosas
bem guardadas no baú da saudade
e hoje que ela completa anos,
mando estas duas pedrinhas brilhantes
lapidada dos sonhos que sonhamos juntas
para brilhar lá longe, dentro dos olhinhos dela

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Anima Mea



Ala-te
Inala
aspira-te alma

Enleva
leva-te
mesmo se distante

Consta no instante
conta
como infante

Atos: balança
alcança
os longilíneos dedos da justiça,
firma a aliança

Asperge
borrifa teu próximo
de gotículas de bondade
Espalhe felicidade

Empluma,
aconchega
sob as tuas asas
os friorentos
os cansados
os lazarentos

Ala-te alma
podes ir além
emerge desta água
banhada de bem

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Felícia


Acabei de vê-la
passou por aqui

Vivaldina, saltitante
pousou em meu ombro
farfalhou-me nas faces
dançou sob a luz estéril
do escritório frio

Azul, infinita, colorida de rio
alçou suas asas diáfanas
insistentes asas fosforescentes,
intrínsecas de saudades

Como um sonho que se sonha
de olhos abertos
transpostos além do bege
da parede, do círculo das horas

Penetrando a probóscida
no doce mel da flor do instante
provocando batidas dançantes
neste coração que ama amar demais

Enches de lampejos de dia
de sabores de luz de estrelas ainda por vir...
Escamas caem destes olhos cegos

Ela brinca ainda
seus pezinhos magricelas
provocando risos, cócegas na alma

Estilhaçada a realidade grita
o retorno ao inerte instante,
porém aos pulos o pulso vibra
ante as irresistíveis visitas
da borboleta inspiração

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Auto procurada



Procuro-me
desesperadamente
Desapareci lentamente
caco a caco
despedaçadamente

Estava a trilhar
apressada, atrasada,
a beira do abismo da falha
Perfeccionissimamente
passo a passo
cada pedra no caminho
um novo caco
esculachos
a cada descompasso

Ah barqueiro cruel
afanas pedaços do que fui
destilando em óbolo
as favas do meu mel

Do que sou, ainda em mim
restou aqui este coração
desfibrilado
acelerado
despetalado das róseas esperanças
pouco a pouco
Mais ainda tão cheio
do sangue da poesia

Se me vires por ai
nem que seja um mínimo estilhaço
lance um pão
sobre o oceano das minhas lágrimas

Por qualquer informação
que culmine no reencontro
recompensa-se generosamente
com uma pequena epifania

quinta-feira, 17 de março de 2016

Vero amor: de primavera





Ave terra, amada terra
Amor que desabrochou em primavera
Criaturas pipilantes, ecos distantes
Roncos de apressados aviões
O céu azul, mesmo céu
Opalescendo em suas estações quadráticas
Estabelecendo portos
À grande viagem, enigmática
A grama se cobre em miosótis
Pequeninas dádivas azuis
Engordam as mamangavas
Destilando em mel as doçuras anis
Ah se o amor voltasse assim
A transbordar no peito
A fecundar a mente de tantas gentes
Se apenas pudéssemos cumprir o caminho
Como o fazem os passarinhos
Ah primavera querida
Fecunda flor chamada amor
Nascendo em nuances, fragrâncias e cores
Ah se apenas a glória desta primavera
Enlevasse a alma, levasse guerras
Voltariamos a lavar no rio
A beber da fonte
Quem sabe então o que diria
O crepúsculo prometido
ao distante horizonte