Uma boneca em forma de avó
assim foi minha Dorothea
cabelos longos em forma de coque
penteados
ungidos de azeite de oliva
durante quase toda a vida
pretinhos
Minha vó Thea
sempre uma tetéia
de terninho
combinando
sapatinhos com saltinhos
Pedra de esquina
toda manhã matinava
e varria a longa ciranda
varria as lágrimas
enquanto falava com Deus
às vezes agradecia alto:
“Glória “tioh” nome Senhor!”
minha tetéia
carregava em suas veias
os longínquos polímeros
desde Poblete e
Pozuelo de Calatrava
Vó Thea é história
início da minha história
nossa história coletiva
dos tempos em que a terra
foi salvação
em tempos de guerra
Trabalhadora
desde tempos de arados
gado
café
alface
vó Thea é nossa própria face
forte sem medo da lida:
lavou
cozinhou
bordou
cuidou…
sobre todas as coisas
alinhavou nas tramas
do nosso coração
os doces fios em crochê
da colcha amor
bem quentinha
“o fia a vó não esquece você
todos os dias apresento
em oração”
que paz ir dormir sabendo
que a vó Thea orou por nós
Choramos por ti
nossa Tetéia
porque hoje o céu não recebe
mais uma oração por nós
hoje nós vamos nos debulhar
em pranto
lembrando que amamos tanto
os dias do teu encanto
te agradecemos pela luz
pela graça
pela força
por nos abrir a porta
Hoje a luz divina
raiou sobre a terra
e a levou para lá
Vejo ela de terninho branco,
sem rugas
véu na cabeça
sorrindo aquele lindo sorriso
e brilhantes:
os olhos
a aura
um dentinho de ouro
ela levanta e anda
com as pernas ágeis
adentra os portões
do paraíso
encontra o vô
o pai
o Joãozinho…
os filhos que já dormiram
traz os molhos cheios
frutos de toda sabedoria
que semeou em vida
ela apresenta-se diante do trono
ao Pai das luzes
envolto de dourado a chama:
“Dorothea!”
E tanto quanto em vida
ela diz:
“Eis-me aqui Senhor”