“Vem com a tata,
vem!”
Sem hesitar ela vem,
serelepe,
sainha amarela de
bolsos grandes
cabelos compridos,
soltos, sem pentear
Seguro firme a
mãozinha da irmãzinha querida,
olho dos dois lados
sentindo o pêso da
responsabilidade
atravessamos a rua
Rio Negro
de terra, lama e
valas profundas
O pasto verdinho
convida a correr,
amparamos o arame
farpado
eu para ela, ela de
dentro, para mim
Adentramos ao espaço
aberto
o mundo se torna
bicolor, azul e verde
corremos, pulamos
beijamos as
bebezinhas gêmeas
uma minha, outra
dela
Ao longe no pasto,
à direita,
uma mangueira
frondoza, generosa
de mangas,
futuramente cercada
e escola Juraci
à esquerda distante
ainda, um muro longo,
branquinho, latidos
de cães…
ferramos os dentes
nas goiabinhas
verdes ainda,
corações ainda sem sementes,
marrentas, pés
raquíticos à beira do barranco
“Tumba, la tumba,
la tumba, la gue..”
às doze badaladas
esqueletos emergem das tumbas
um a um, ossinhos
ágeis, frágeis dançando ao vento
máscara feita de
dedos ossudos
a irmãzinha não
consegue,
“tata, faz para
mim!”
poeira e riso no sol
poente
“Vou-me embora prá
bem longe
Esta é a triste
verdade,
talvez sozinha eu
encontre, a paz e a felicidade”
- canto alto, sempre
melancólica
Ela interrompe,
alegre:
“Quando eu era
neném...”
à tarde febril
votuporanguense
daquele ontem tão
pueril
cantamos o ciclo
esperado
às mulheres de
então
Minha irmãzinha,
minha responsabilidade,
depois de
escorregarmos incontavelmente
o barranco vermelho
da D. Zulmira,
voltamos para a casa
descalças, rubras
de barro
sôfregas de
felicidade
A irmãzinha perdeu
sua boneca,
ela é pequenininha,
dou-lhe a minha
ela cessa o pranto
mas ranheta, não
quer tomar banho.
Mais tarde sob a
manta (calor ou não)
Ela aponta o dedinho
para o quadro da
moranguinho,
quer que eu conte a
estória do sapinho
sobre a
vitória-régia outra vez
Dormimos ainda
ontem!
Acordamos tanto
tempo depois
Ainda sinto a
mãozinha quente
“Tata tô com
medo, acende a luz”
acendo pronto e
seguro ela pertinho
para não ter medo,
mas ela não sabia
que eu também tinha medo
e que ela me dava
uma baita coragem
Vim embora para bem
longe, já não estou sozinha,
às vezes temos
paz, foram tantas felicidades
Trouxe comigo essas
memórias preciosas
bem guardadas no baú
da saudade
e hoje que ela
completa anos,
mando estas duas
pedrinhas brilhantes
lapidada dos sonhos
que sonhamos juntas
para brilhar lá
longe, dentro dos olhinhos dela