Era uma vez um planeta árido, cujas areias quentes reluziam a verde
luz de seu triste sol. Um planeta fadado. Era uma vez uma navezinha
feita de pós constelares, movida a energia cósmica.
E uma voz grande que falava do universo para o universo, ordenando
aos viajantes do espaço sideral que abrissem as sete cabines
meteóricas, rompendo o lacre a vácuo, donde encontraram oculto sob
as arestas iridescentes de um arco-iris, as finas portas de cristal,
e dentro da pequena cela baldinhos de vime plenos de sementes.
E disse-lhes a grande voz:
- Ide, plantai e colhei.
E cada peculiar passageiro recebeu igualmente o mesmo balde, as
mesmas quantidades de cada semente. E lacrimejavam felizes. Iam
preparar um lugar.
Ainda em descendência, alguns se entristeceram pois o sol era
verde; ao pisar ao chão arenoso, esmoreceram-se outros, cansados
deitaram sob a fenda das penhas, no oculto das ladeiras:
- Faz calor, enfadados estamos, esperemos a chuva.
Mas a menina, única criança, enterrou sob sua primeira pegada a
semente em formato de lágrima, uma macieira.
- Morrerá certamente, desperdiças tuas sementes.
E a menina encontrou a trilha onde um solitário animal passava
todos os dias a caminho da montanha branca para uivar às três luas:
amarela, vermelha e azul.
- Me parece que tuas noites são mais coloridas – disse ela.
O animal peludo rompeu o uivo. Os olhos ainda vidrados em hipnótica
dança à cada lua. As orelhas longas súbito aprumaram-se.
- Não interrompas, comovo-as para que chorem. Vê? - apontou à
distancia, ao fundo do vale que mal se discernia na penumbra, o
reflexo multicolor das três luas sobre o lago quase seco do deserto, e
irrompeu em ruidoso canto não lhe falando mais.
Os peregrinos que a seguiam arrazoavam entre si das estranhezas, da
incoerência da criatura a cantar às luas.
A menina entretanto, encantada com tal visão, enxeu o peito de
entusiasmo e serelepe plantou três sementes: uma rosa, um girassol e
lilases. Cada qual em direção de seu respectivo reflexo em cor.
Ja era tarde. Adormeceu assim. A cabecinha cacheada repousando sobre
uma pedra. Cobriu-se da areia morninha e sonhou que as estrelas lhe
escreviam mistérios.
E o frio caiu sobre o planeta.
Alguns retornaram ao conforto condicionado da navezinha lançando
suas sementes às pedras.
- Vão é o trabalho – lamentavam – este chão é estéril.
Perdes teu tempo ó menina, gastas em vão tuas energias e tuas
sementes. És tão pouco prática: imagine, plantar flores, não se
pode comê-las.
A menina meio cabisbaixa tentou cantarolar uma canção muito
antiga. Lembrou-se das espigas, e ao pé do vale enterrou seus grãos
de milho na areia.
Um ronco alto do animalzinho a alertou, encontrou uma caverna morna,
de entrada espinhosa. O animalzinho muito precavido não
desconsiderava haver um dia predadores. Os peregrinantes riram-se
muito dele, e ele, alheio, continuava sereno a roncar. Dois dos
integrantes se enfiaram gruta adentro, “a espera de outra terra”, cansados da noite mal dormida.
E a menina percorreu o caminho, dia após dia, entre espinhos secos,
áridas terras, sob o verde soturno sol, e foi a metade de um ano,
a viver de comer as bolotas da nave.
O animal prosseguia uivando, a pequena semeando, e de contínuo
vozes ralhando que o balde da menina esvaziava.
- Há que ter cuidado, saber quando usar tuas sementes. Não
desperdice teu único recurso.
E aconteceu que uma noite, absorta a enterrar umas amendoas, a
menina deu-se conta da ausência do uivo do animal ao longe. Observou
pegadas frescas e prontamente as seguiu. Encontrou o animalzinho em
curiosa posição: pom pom à mostra, ouvia ao solo atentamente.
- Olá!...
- Shhh...
Curiosa que era deitou sua orelhinha ao chão e ficou também à
escuta durante tanto tempo que adormeceu ao relento.
Acordou quando quase de manhã ouvia um rabiscar de espinhos sobre
pedra plana. O animalzinho calculava, rolava os olhinhos para cima,
mordiscava o caule do espinho.
- Que ouvias? - indagou.
- Estou aprendendo a ouvir – disse ele – é preciso aprender a
voz das águas.
E a menina atingiu a outra extremidade do planeta, enterrou as
últimas três sementes e encontrou um cantinho donde um ovinho
pendia.
- Que pena. – suspirou seu último acompanhante – Vês? A lagarta
certamente morrerá, borboleta imprudente deixar assim seu ovinho à
mercê.
Dito isto, vertendo copioso pranto olhou para trás e juntou-se a
todos decididos que era tempo de retornar.
A menina cansada das idas e vindas orbitacionais decidiu que ficava.
Deixaram-lhe as bolotas reminiscentes que durariam um tempo e outro
pouco de tempo até que necessitasse mais. Ficaria a cuidar do
animalzinho.
A navezinha partiu. E com ela veio a noite. Uma dessas noites
lúgubres, frias, completamente nublada. E a menina sentiu medo.
Pensou nas coisas todas que lhe diziam. Questionou-se. A menina
chorou. No escuro distante o canto do animalzinho entristecia às
luas.
Amanheceu ainda mais verde. Cansada da longa jornada a menina voltou
a dormir profundamente.
Os astros viajavam incessantes no espaço e junto a eles a navezinha
vagava, navegantes às janelas. E um dia o astrolábio apontou à
estrela que anunciava: findavam as bolotas da menina.
Retornaram pronto.
Estranhamente, apesar da precisão do instrumento não encontraram o
planeta. Havia desaparecido da face do universo.
Porém surpresos notaram um sol amarelo, um planeta
azulzinho e uma densa floresta.. Decidiram visitar, encontraram uma
mulher estonteantemente cascavelando entre eiras, circundada de
borboletas, pássaros coloridos e animais filheiros.
- Eu disse que voltavam! Aqui... - esticou o bracinho delicado e
colheu uma maçã – Comam, é doce.