O fado à mesa,
rendilhadas toalhinhas de crochet engomadas, amarelados ideiais do
uso de outras épocas. As mãosinhas das meninas martas fiam
serelepes os arabescos das agulhas. O pingo de sangue nos alvos fios
não lhes inspiram um nome. Um pingo de sangue no branco é.
As meninas martas
por vezes têm mães, irmãos, outras nem ósculo, carecem de pão.
Agarram os parcos fios de possibilidade: aprender. Elas têm sede. E
a aula do dia será aprender a fazer flores de plástico. As meninas
martas mergulham as garrafas secas na mistura de tintas, pintam com
cerdas também de plástico. Se esmeram, capricham, vão além do
picotar insidioso da tesoura. Dentro delas ferve a criatividade,
potencialidades. O arame afiado enrosca a pétala, o crepon
enverdeja. A flor tem um quê de bela, mas não cheira, os pássaros
não piam, as abelhas não polinizam.
As sementes foram
guardadas em grandes cofres. É preciso fazer silêncio, mergulhar no
mesmo livro. Aprender as mesmas coisas. Martear é duro ofício.
As meninas marias se
enchem de sabedoria e mais tarde se assentam à mesa plenas. Enquanto
isso, as meninas martas adormecem sonhando que um dia poderão vir a
ser marias.
O despontar do dia
acorda a todas, o relógio às martas, os pássaros às marias.
As meninas escolhem
todos os dias a mesma sina: as marias acontecem, as martas fazem
acontecer às marias.